Título: Legislação, crédito e taxa de juros no país
Autor: João Antonio César da Motta
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Imaginar que os juros vão cair por conta da nova lei é pensar que quem está ganhando poderá querer deixar de ganhar"

Com a entrada em vigor da nova Lei de Falências - a Lei nº 11.101, de 2005 - e a, creiam, "Lei de Gérson" - a Lei nº 10.931, de 2004) - está completo o círculo apresentado pelos bancos para que se inicie a redução dos spreads, das taxas de juros. Mas será isso mesmo? Em primeiro, há de se observar que a pedra de toque ao sistema financeiro para a mobilização do crédito é a possibilidade de, em caso de inadimplência, sua expedida recuperação. E isso se pode observar historicamente, após o advento da lei da reforma bancária - a Lei nº 4.595, de 1964 - e com os diplomas legislativos que lhe seguiram, tais como o Decreto-lei nº 70/67 (crédito imobiliário), Decreto-lei nº 167/67 (crédito rural), Decreto-lei nº 413/69 (crédito industrial), Decreto-lei nº 911/69 (alienação fiduciária), Lei nº 6.313/75 (crédito à exportação), Lei nº 6.840/80 (crédito comercial), os quais permitiram a mobilização e ampliação da base de concessão do crédito. O advogado Thomas Felsberg ("II Ciclo de Estudos de Direito Econômico", IBCB, 1994), confirmando o acima exposto, aponta que "os quatro princípios básicos para que o leasing possa realmente se manter e desenvolver são os seguintes: o primeiro, o respeito à propriedade, ou seja, o arrendador sendo o dono do bem, precisa, caso haja inadimplência, ter a possibilidade imediata de se reintegrar na posse do bem arrendado e, em caso de falência, precisa obter a restituição desse bem. Isso é fundamental: é a propriedade indisputada do bem arrendado por parte do arrendador que permite que esse bem seja financiado." Este entendimento sobre o leasing pode ser transposto a qualquer contrato bancário e se centra na possibilidade de recuperar o crédito rapidamente, independentemente de qualquer discussão quanto a eventual direito do devedor. E esta foi, sem dúvida, a idéia de gestação da Lei nº 10.931/04, a "Lei de Gérson". Para exemplificar, basta verificar o aspecto que diz respeito à prática de juros capitalizados. Tal modalidade de cálculo financeiro, restrita legalmente, em consonância aos precedentes dos tribunais superiores - Súmula nº 121 do Supremo Tribunal Federal (STF) e Súmula nº 93 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde há autorização legal expressa e, desde e somente se, houver pacto expresso a tanto - sempre foi um aspecto de discussão nos contratos bancários.

Desde 1994, com a drástica redução do spread inflacionário, as taxas de juros são estratosféricas

Assim, de forma a tentar burlar a proibição legal, em claríssimo lobby junto ao Poder Executivo, foi obtida uma medida provisória (Medida Provisória nº 1.925, de 14 de outubro de 1999) para a criação da cédula de crédito bancário. Aliás, vendo-se vergonhosamente pegos na prática do jeitinho, os bancos procuraram remendar e acabaram por piorar as coisas, pois lá pela reedição número 17 da Medida Provisória nº 1.963, em 30 de março de 2000, a qual tratava "sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, consolida e atualiza a legislação pertinente ao assunto e dá outras providências", o fortíssimo lobby obteve a inclusão, no artigo 5º, de ser "admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano". Como se vê, os bancos sempre procuraram superar a restrição legal ao cálculo dos juros capitalizados tentando contornar ou revogar a lei anteriormente existente. Infelizmente, a partir de 3 de agosto de 2004, em pleno chamado governo popular do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi editada e aprovada a Lei nº 10.931/04 que, por absurdo, diz que tudo aquilo que era antes considerado ilegal e abusivo, segundo precedentes das duas mais altas cortes de Justiça do país, passou a ser legal e válido, em fantástico prêmio aos bancos que, em contrapartida, afirmaram que haveriam de reduzir as taxas de juros. Promessa esta que o presidente, ingenuamente, acreditou, visto que as taxas continuam diariamente a subir. Ou melhor, mantêm-se os spreads. Por isso diz-se que a Lei nº 10.931/04 deve ser havida como a Lei de que "o certo é levar vantagem em tudo, certo?". Mas se a democratização do crédito e as reduções das taxas são provenientes de instrumentos jurídicos que possibilitem a mais rápida recuperação em caso de inadimplemento, tal lei, conjuntamente com a nova Lei de Falências, haverá de reduzir o custo do crédito no Brasil? Francamente entendo que não. E digo isso com a serenidade de quem presenciou a democratização do crédito, a ampliação da base de concessão, mas jamais, noutra vereda, viu as taxas caírem. Ao contrário, desde 1994, com a drástica redução do spread inflacionário, as taxas de juros, apesar de nominalmente mais baixas, são, efetivamente, estratosféricas, sendo a elas transferidas todas as margens. Em síntese e em conclusão, imaginar-se que os juros irão despencar por conta da nova legislação é imaginar que quem está ganhando, e ganhando muito, poderá querer deixar de ganhar, o que é contra a própria natureza humana. Afinal, quem não gostaria de ser banqueiro?