Título: A crise é política. Por enquanto
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2005, Brasil, p. A2

Embora já tenha afetado a imagem do governo Lula no exterior, a crise política ainda não provocou pânico entre os investidores estrangeiros. Isso ocorre, em parte, porque eles estão ganhando muito dinheiro com as taxas de juros mais altas do planeta, o que compensa correr certos riscos. Por outro lado, há a credibilidade conquistada pelas políticas conduzidas pela equipe liderada por Antonio Palocci. "A crise não está afetando ainda, mas pegou o mercado de surpresa. Isso aconteceu porque, em função do que chamamos de 'carrego', ou seja, de estar investido nos juros brasileiros, que são tão altos, ou mesmo com a perspectiva que tinha até a semana passada de valorização adicional do real, o país continua sendo um dos investimentos de risco mais atrativos em nível global", explica o economista Paulo Leme, diretor de mercados emergentes do banco de investimento Goldman Sachs, em Nova York. "Ninguém está apavorado. Todo mundo fica apreensivo, mas não há pânico. Os investidores locais estão mais expostos, por isso, reagem de maneira mais estressada e imediata. A imagem do governo Lula mudou muito, mas tudo aconteceu recentemente. Não é uma situação, no entanto, onde haja um foco no Brasil", testemunha Paulo Vieira da Cunha, do banco HSBC em Nova York. Do ponto de vista meramente técnico, sustenta Vieira da Cunha, a probabilidade de "default" (de não-pagamento da dívida) não mudou. E é para ela que o investidor olha. "Isso depende da condição macroeconômica e esta ainda não mudou. No fundo, embora não tenha anunciado, a equipe econômica está em linha para entregar um superávit primário de 4,5%, 4,6% do PIB, o necessário para estabilizar a relação dívida-PIB nas circunstâncias esperadas, dada a atual taxa de juros", observa o analista. Diante da nova crise, no entanto, os riscos de uma explosão de desconfiança são consideráveis e serão tanto maiores quanto mais letárgico ou irresponsável for o governo na reação à turbulência. Paulo Leme estima que as posições dos estrangeiros no Brasil estejam próximas a US$ 7 bilhões. O agravamento da crise poderá provocar rapidamente a saída desse dinheiro do país, causando instabilidade e piora da percepção de risco. A confusão política, que até a semana passada não havia atingido sequer o mercado interno, eclode no momento em que muitos administradores de recursos estão se voltando para o Brasil com o objetivo de compensar parte das perdas que tiveram, até maio, em seus "hedge funds". São "neófitos" em Brasil, menciona Paulo Leme. "A nossa percepção é a de que há um risco político crescente e um desarranjo dentro do governo que a gente nunca sabe de que forma vai se manifestar. Desde ontem (segunda-feira), o investidor estrangeiro acordou, mas ainda no plano da informação e não no da atuação. Ele está em estado de choque, paralisado, sem saber avaliar a profundidade e a gravidade da situação política", conta o economista.

Estrangeiro apreensivo com a crise política

O risco maior neste momento está na transformação da crise política num maremoto econômico. Infelizmente, setores do governo e do PT já mostraram que são capazes de atear fogo às próprias vestes. No escândalo Waldomiro Diniz, tentaram fazer isso, amparados no fato de que, naquele momento (fevereiro de 2004), os sinais de recuperação da economia ainda eram parcos. Por causa disso, afirmaram que a motivação da crise era econômica e não política. Na semana passada, já havia petistas empunhando a mesma bandeira. Novamente, inspirados nas circunstâncias de curto prazo da economia - o imediatismo dessa visão é flagrante: não há, nem entre o mais pessimista dos especialistas, quem esteja prevendo um desastre econômico para os próximos meses. Na crise de 2004, o que impediu que a tensão política contaminasse a economia foi o fato de que ela não envolvia o presidente da República, ao contrário do que acontece agora. Justiça seja feita, o presidente Lula tem feito, na área econômica, poucas concessões ao populismo. Recentemente, reafirmou a austeridade, assegurando que não tomará medidas populistas neste e no ano eleitoral vindouro. A dúvida é saber se, pressionado pela crise, não cederá à tentação de usar a economia, seu único ativo, para tentar solucionar a barafunda política. "Isso seria um erro grave. O problema é político. Não é econômico. Há o risco de transformá-lo em ambos e não resolver o problema político", avalia Paulo Leme. "Uma afrouxamento do Orçamento diminuiria a confiança do investidor estrangeiro, traria um real mais desvalorizado, inflação mais alta e juros mais elevados e, portanto, menor crescimento daqui a 12 meses." Na semana passada, o governo deu sinais preocupantes no lado fiscal. Mesmo que haja consciência de que a liberação de recursos relativa a emendas de parlamentares refira-se a uma parcela ínfima do Orçamento (R$ 400 milhões), o que pesou neste momento foi o valor simbólico da decisão. Afinal, lembram os analistas, a crise mais grave, deflagrada pelas declarações do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), ainda não havia explodido quando as novidades orçamentárias e creditícias foram anunciadas. Paulo Vieira da Cunha, do HSBC, teme que, da crise, saia um governo fraco, sem perspectiva de reeleição em 2006. Dependendo da extensão da crise, toda a classe política sairia machucada da experiência petista, abrindo espaço nas eleições do ano que vem para candidatos populistas, como Anthony Garotinho. "O ativo principal deste governo é ter poder. Não tem muito mais do que isso. Não tem um projeto maior que aglutine. Se essa perspectiva de poder diminui, acho que cria problemas", comenta ele. "Está todo mundo olhando a possibilidade de reeleição do Lula."