Título: A tempestade alivia. O sofrimento, não
Autor: Tiso, Joana
Fonte: Correio Braziliense, 08/04/2010, Brasil, p. 10

Após uma das piores catástrofes de sua história, Rio tenta retomar a rotina, reforça busca por desaparecidos e contabiliza estragos. À noite, um grande deslizamento em Niterói matou pelo menos duas pessoas. Já são 147 mortos no total

Rio de Janeiro O sol deu o ar da graça em parte do Rio e os cariocas tentaram retomar a rotina, ontem, depois do temporal. A cor marrom da Lagoa Rodrigo de Freitas, ruas cobertas de lama, árvores caídas e, principalmente, a busca pelos desaparecidos, porém, mantiveram amarga a lembrança da tragédia. As principais vias foram liberadas e a maioria da população voltou ao trabalho, mas o drama não abandonou as encostas e a chuva reapareceu com força à tarde. Até as 23h de ontem, já havia 147 mortes confirmadas no estado (46 na capital e 81 em Niterói, a cidade mais afetada), além de 3.262 desabrigados e 11.439 desalojados.

À noite, um novo deslizamento ocorreu na periferia de Niterói. Cerca de 40 casas foram cobertas por terra e lama que desceram do Morro do Bumba, em Viçoso Jardim. Até o fechamento desta edição, dois corpos já haviam sido retirados pelos 300 bombeiros que participavam das buscas, mas, como a operação de resgate é difícil, um panorama preciso do tamanho dessa tragédia somente será possível na manhã de hoje.

Durante o dia, os bombeiros receberam a ajuda de membros da Força Nacional de Segurança Pública, que atuaram na enchente de Santa Catarina em 2008. A água deu trégua durante a manhã, com um tímido sol, o que facilitou o trabalho de resgate das vítimas e deu a falsa impressão de que a guerra havia chegado ao fim.

O bairro mais castigado foi Santa Teresa (Centro), sobretudo no Morro dos Prazeres. O menino Marcus Vinícius Vieira França da Matta, de 8 anos, travou uma luta pela sobrevivência durante toda a terça-feira, mas foi encontrado sem vida por volta das 10h de ontem. A comunidade teve casas destruídas e pelo menos 18 mortes.

Comércio Pela manhã, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, pediu aos cariocas que evitassem deslocamentos desnecessários e avisou que as encostas, encharcadas, ainda corriam risco de deslizamento. Além disso, as aulas seguiram suspensas. Até porque muitas escolas viraram abrigos para quem perdeu tudo nos últimos dias. A maior parte do comércio e os órgãos públicos voltaram a funcionar. O movimento nas lojas, porém, caiu pela metade em comparação a um dia útil normal. Na terça, foi 90% inferior. O prejuízo do setor já chega a R$ 270 milhões.

O impacto gerado pelo dilúvio trouxe à tona novamente a discussão sobre a retirada da população das áreas de risco ocupadas irregularmente. O prefeito informou que já existem 13 mil domicílios mapeados nessas regiões que serão assentados com dignidade.

Paes também pediu ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a inclusão de 4.080 moradias no programa de habitação da União Minha Casa, Minha Vida, com taxas de financiamento mais baixas para as famílias que vivem nessas áreas. Quase todas as residências estão prontas, contou. O ministro da Integração Nacional, João Santana, apressou-se em dizer que a demanda será atendida.

Inundações Após longa reunião, Paes anunciou um plano, ainda sem prazo, para remover e reassentar 1.500 famílias do Morro dos Prazeres e da comunidade Laboriaux, na Rocinha. O que podemos fazer agora é evitar que isso ocorra novamente. Não quero passar o próximo verão sem dormir, preocupado se a chuva vai matar alguém, disse o prefeito.

Eduardo Paes e o governador do Rio, Sérgio Cabral, pediram ao governo federal um investimento de R$ 370 milhões para brecar as trágicas consequências da tempestade (leia reportagem na página 12). Boa parte vai financiar obras estruturais na tentativa de solucionar os transtornos provocados pelos constantes alagamentos na Praça da Bandeira (Zona Norte).

Essa obra é imprescindível e vai resolver um problema crônico da cidade, disse Cabral. A Praça da Bandeira é o principal ponto de ligação da Zona Norte ao Centro e a região mais afetada quando chove. Outros projetos para dar fim às inundações no bairro já foram apresentados, mas nunca saíram do papel.