Título: A lerdeza como método de decisão
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2005, Política, p. A8

Com relação à rede de corrupção instalada nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil, duas importantes estatais dos Ministérios das Comunicações e da Fazenda, respectivamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu com 36 horas de atraso se a referência tomada for a estocada que levou do deputado Roberto Jefferson. Ou três semanas de atraso se o fato a considerar for ele próprio ter tido a oportunidade de assistir, pela televisão, um diretor de estatal em seu governo embolsar propina frente às câmeras. As reações das bancadas do PT, tanto na Câmara como no Senado, foram ainda mais lentas, talvez até por esperar orientação partidária e política sobre o que fazer. Acabaram invertendo o processo: a decisão de deputados e senadores orientou seu partido, o último a decidir apoiar a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar denúncias de corrupção no governo petista. Esta crise teve um efeito paralisante no esquema de decisões políticas do governo, mais até que outras. Com relação à necessidade de dar forma, objetivos e eficiência ao governo, que se apresenta urgente, em qualquer perspectiva que se olhe, o presidente Lula começou a agir. Embora apenas, por enquanto, nos focos de desmandos em questão, algumas mudanças no governo foram anunciadas ontem, com dois anos e 158 dias de atraso. Não se sabe ainda se o presidente vai limitar-se às mudanças nos Correios e no IRB, ou se vai aproveitar para fazer a esperada reforma ministerial destinada a sacudir a administração federal. Ou se vai o presidente, a partir de agora, alterar radicalmente o processo de nomeações, abandonando o loteamento partidário e corrigindo o aparelhamento da administração federal pelo PT. Foi um começo. Pois, além de lerda, a tríplice reação foi comedida e desproporcional à gravidade dos fatos expostos e suas conseqüências imediatas para o governo e para o país. O presidente move-se vagarosamente, tangido por reuniões intermináveis e inócuos debates e sessões de aconselhamento. Parece ser o ministro Antonio Palocci o seu único interlocutor confiável, em quem depositaria a responsabilidade por ajudá-lo a conduzir o governo e tomar as principais decisões. No entanto, em um sinal de difícil compreensão, não hesitou a queimá-lo, provocando conseqüências concretas no desempenho da economia, ao atiçá-lo no fogo alto da estratégia política de abafar investigação de corrupção pelo Congresso, estratégia de cuja eficácia ninguém do governo tinha a menor segurança. Gosta o presidente de ir levando os problemas a um ponto de autodissolução que, às vezes, não chega nunca. Agravam-se as crises pelo excesso de tempo em combustão. Quando vêm as providências, elas parecem sempre insuficientes para o desequilíbrio já construído com empenho e insistência.

Lula tem uma noção inconsistente de governo

Pode-se tomar a reação de ontem como um sinal de vida. Lula da Silva deveria, no embalo desse despertar, montar o seu governo para funcionar de fato e dar-lhe, em pouco mais de um ano que tem pela frente antes da campanha formal da reeleição, condições de pleitear um segundo mandato, pois agora não as tem. É imperioso, também, que o presidente que não aceita palpites mude radicalmente seu estilo. A começar por colocar um ponto final nesta campanha eleitoral diuturna e incessante que protagoniza, desde que ganhou a missão de governar o país. Lula e o PT ficaram tantos dias repetindo que a Polícia Federal basta para apurar corrupção no governo, que a CPI dos Correios era inconstitucional e que deveria ser arquivada, que não conseguiram mudar de posição no momento certo, perceber que a investigação se tornara incontornável. Como, de resto, o Palácio do Planalto só percebeu, se é que já percebeu, que sem medidas cirúrgicas na organização do governo não coloca nos eixos uma administração que ainda não aconteceu. Em conversas informais, assessores de Lula voltaram a falar da proximidade de uma mexida para valer no governo. A ver. O presidente tem dificuldades pessoais para demitir, tem constrangimentos evidentes em lidar com amigos de fraco desempenho, tem vícios marcantes, bem cultivados na vida de oposição, que não cedem lugar aos dois anos de experiência no outro lado. Para Lula, é mérito proteger amigo. O presidente valoriza mais as relações pessoais que institucionais. A noção de governo que tem o presidente é absolutamente inconsistente. A CPI dos Correios, se funcionar com seriedade, esclarecerá a fisiologia dominante na relação do Executivo com o Legislativo; assim, chegará ao sistema do mensalão do PT; e, mais que óbvio, chegará a Waldomiro Diniz, o subchefe da Casa Civil da Presidência da República flagrado na cobrança de propina, que até fevereiro de 2004 era o encarregado de fazer a ponte entre o governo petista e o Congresso. Se já houvesse à época o mensalão, ele não seria pago sem o conhecimento deste alto funcionário da Presidência da República. O presidente deve comemorar a oportunidade de eliminar esses esqueletos políticos que vêm sendo criados desde que assumiu, como aqui mesmo já se demonstrou, além de reiniciar adequadamente o governo com um choque de gestão. Como sempre, está com Lula a saída da crise. Assim se passaram 10 anos... Sonho de consumo do PT: se a CPI dos Correios chegar às franquias, aos terceirizados, lá deverá encontrar encasteladas estruturas montadas pelo falecido ministro das Comunicações do governo tucano, Sérgio Motta. Todas elas ainda dirigidas pelo PMDB, o único partido governista poupado na atual crise, e o PSDB, um das duas principais legendas da oposição.