Título: A viabilidade de um investimento de 25% do PIB
Autor: Fabio Giambiagi
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2005, Opinião, p. A11

Os sinais de arrefecimento do crescimento se verificam em um momento em que o Brasil se encontra na melhor situação dos últimos 25 anos para retomar um processo de crescimento sustentado. A razão para esta afirmação é que, além do notável ajustamento externo pelo qual a economia passou a partir de 1999 e da importante melhora fiscal que ocorreu no mesmo período, um terceiro ajustamento, mais silencioso, processou-se no período 1999/2004, gerando uma combinação de circunstâncias como há décadas não se via no país. Refiro-me à elevação da poupança doméstica verificada nos últimos cinco anos (desenvolvemos o tema em artigo junto com Fernando Montero, "O ajuste da poupança doméstica no Brasil", IPEA, maio de 2005). Quem olha para a evolução da taxa de investimento, correspondente à divisão da formação bruta de capital fixo (FBKF) pelo PIB, frustra-se ao constatar que há anos a variável tem oscilado em torno de 18% a 20% do PIB. Entretanto, essa relativa estabilidade esconde uma profunda transformação operada na composição da poupança que financia o fluxo equivalente de formação de capital. Com efeito, quando à FBKF adiciona-se à variação de estoques, observa-se que a formação bruta de capital total, que por identidade macroeconômica é igual à poupança, passou de 20% para 21% do PIB entre 1999 e 2004, mas com uma transformação completa da sua composição. Isto porque, enquanto em 1999 havia uma poupança externa de 5% do PIB e uma poupança doméstica de 15% do PIB, cinco anos depois passamos a ter uma despoupança externa (ou seja, poupança negativa) de 2% do PIB e uma poupança doméstica de nada menos que 23% do PIB. Em outras palavras, a poupança doméstica no Brasil aumentou quase 8% do PIB entre 1999 e 2004. A tabela ajuda a entender a causa desse fenômeno, com base na equação conforme a qual a poupança doméstica é igual à diferença entre a renda disponível bruta e o consumo, sendo que a renda disponível bruta é a renda que fica no país após a remessa de lucros, dividendos, juros e outros componentes de menor importância ao exterior, líquidos dos recursos que ingressam no país na forma de transferências unilaterais. Como estes valores mantiveram-se, "grosso modo", em torno de 3% do PIB, a renda disponível bruta continuou sendo próxima a 97% do PIB. A grande diferença entre as situações de 1999 e de 2004 é que o consumo total - soma do consumo do governo com o das famílias - caiu de 81% para 74% do PIB. Em outras palavras, a maior poupança doméstica foi a contrapartida do ajustamento significativo verificado nesses cinco anos, nos quais a participação do consumo na economia diminuiu substancialmente.

Maior poupança doméstica foi a contrapartida do ajuste de 1999 a 2004, quando o consumo teve diminuída sua participação na economia

Este padrão difere radicalmente do que foi verificado por ocasião do outro grande esforço externo realizado pela economia brasileira nas últimas décadas, no começo dos anos 80, quando também o balanço de pagamentos se ajustou rápida e intensamente, porém sem que nada vagamente similar se verificasse com a poupança doméstica. O resultado foi que a FBKF desabou entre 1980 e 1984, fato que não ocorreu recentemente. Por razões de espaço, não abordamos aqui a desagregação da poupança doméstica entre os seus respectivos componentes público e privado, tema esse que é discutido com certo grau de detalhe no texto anteriormente citado e no qual o presente artigo se baseia. Um elemento qualitativo importante, crucial na escolha futura de políticas, porém, é que uma mesma poupança pública pode ter efeitos bastante diferenciados sobre a poupança privada. Quando o governo aumenta o gasto previdenciário ou assistencial, por exemplo, financiando isso com uma maior taxação, ele pode até mesmo conservar a sua própria poupança intacta, mas a resultante provavelmente irá afetar negativamente a poupança privada. Isto porque estará promovendo transferências de renda para quem tende a consumir a totalidade da renda recebida por meio de transferências, enquanto tira renda por meio de tributação daqueles que, por terem uma propensão a consumir inferior a 100%, poupavam parte da mesma. O fato de a poupança agregada ter aumentado, em que pese esse fenômeno, revela o esforço de poupança feito pelo restante da população não beneficiada pelas citadas transferências, o que não impede de reconhecer que a continuidade do aumento da poupança no futuro será difícil se houver novos incrementos nesse tipo de transferências de renda. A observação dos dados permite extrair uma série de conclusões. Três delas merecem destaque: 1) se aceitarmos que a transformação de um país como o Brasil em um exportador líquido de capitais não faz sentido a médio e longo prazos e que, portanto, é razoável que o país transite em alguns anos do superávit em conta corrente atual de 2% do PIB para um déficit moderado, de por exemplo 1% do PIB, teríamos uma melhora da poupança externa de 3% do PIB, digamos, até 2010; 2) adicionalmente, a poupança doméstica poderia aumentar outros 2 % do PIB, se nos cinco anos de 2005 a 2010, partindo de um consumo total de 74% do PIB em 2005, o consumo total crescer a uma média de 3,5% ao ano, com 4% de crescimento do PIB, o que reduziria a participação do consumo a 72% do PIB até o final da década, mesmo com um bom crescimento em termos absolutos; e 3) nesse caso, o investimento poderia atingir os tão almejados 25%, 26% do PIB até 2010, por meio de incrementos graduais, começando com aproximadamente 20%, 21% do PIB em 2005 e aumentando a variável em torno de 1% do PIB por ano em cada um dos próximos cinco anos.