Título: Lady Macbeth
Autor: Eliana Cardoso
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2004, Brasil, p. A-2

Macbeth, a mais violenta das tragédias de Shakespeare, aceita leituras diferentes, mas você há de concordar comigo que o infeliz sofre com os próprios crimes. Dominado por sua ambição e a da mulher - que deseja o trono tanto quanto ele ou talvez mais - mata o rei. Cada assassinato gera outro. Entretanto, nem a morte de Banquo - a consciência de Macbeth? - faz calar seus tormentos. Quando o herói conclui que a vida é uma novela cheia de som e fúria sem significado, não é à vida em geral que Shakespeare se refere, mas à do homem que trai a melhor parte de si mesmo. E o PT? Vai trair seu esforço histórico de construção partidária? Ao longo dos anos, esse esforço respondia aos anseios do eleitor por honestidade ideológica, transparência, modernidade. Contudo, descuidos, erros e desacertos vêm colocando em dúvida a disposição do PT de se aliar ao fortalecimento das instituições democráticas. O presidente já pôs o boné do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), fez propaganda política de Marta Suplicy em cerimônia pública. E na semana passada jantou na casa do deputado Roberto Jefferson, seu inimigo histórico e militante de Collor. Para completar o quadro, o PT paulista fez aliança com Paulo Maluf, que Marta chamava de "o nefasto". Concessões fazem parte do jogo político. Devagar. "O Bem, o Mal - é tudo igual", como querem as bruxas no primeiro ato de Macbeth? Claro que não. A força da democracia depende de instituições confiáveis. Morre, se os princípios que a norteiam enfraquecem. A tragédia de Macbeth começa no seu encontro com três feiticeiras. A tentação é a profecia de que terá poder, muito poder, até ser rei. Os marqueteiros de Marta são como as feiticeiras que seduzem Macbeth. Mas aqui as profecias são falsas. Como são falsos os peritos na arte de enganar. Como era falso Macbeth, que se fazia passar por vassalo leal. E por falar em bruxas agourentas, a campanha eleitoral em Sampa tem até praga contra candidatos. Pois Marta repete o trouxe-mouxe de que "alguma coisa" pode acontecer ao Serra. É mau-olhado, já se viu? Não importa. Quando a manipulação é deliberada e tem a intenção de distorcer os planos do adversário, o eleitor desconfia. Nesse ritmo, a campanha do segundo turno vai destruir a confiança no PT. Sem dúvida, a mensagem da propaganda televisiva é a emoção, mas os marqueteiros de Marta escolheram a emoção errada. A propaganda negativa se encaixa melhor na realidade americana - onde os marqueteiros aprenderam suas táticas - do que na realidade brasileira. Em 1964, os anúncios negativos da campanha de Lyndon Johnson estigmatizaram seu oponente como o símbolo do extremismo de direita. Johnson venceu ao desviar dos seus defeitos a atenção dos eleitores através do foco nas falhas do adversário. Marta gostaria de fazer o mesmo. Não pode. Pois José Serra tem exatamente as qualidades que faltam à prefeita. Serra manteve-se fiel a seus princípios ao longo de sua vida política e demonstrou que sabe escolher prioridades, viabilizar projetos e superar obstáculos. Por isso, os ataques a Serra no primeiro turno não deram resultado. Daí a tentativa de destruir os que o rodeiam. Tentativa equivocada. A herança de FHC é boa e a política econômica do presidente Lula é testemunha de que vale a pena levar à frente as reformas começadas no governo anterior. Revanchismo é marcha à ré no desenvolvimento democrático.

Revanchismo é marcha à ré no processo democrático

A campanha de Marta tenta atribuir as falhas de sua própria gestão ao PSDB. As acusações vazias deixam a impressão de que seu único intuito é desviar o foco da discussão sobre os problemas da cidade. Por que interessa a Marta desviar o foco de sua gestão? Olho vivo, / Pé ligeiro. / Vamos a bordo / Buscar o dinheiro. A razão é que os marqueteiros não sabem como defender uma administração cujas realizações foram estreitas e eleitoreiras. Quando assumiu a prefeitura, em 1/1/2001, Marta prometeu melhorar o trânsito. Enquanto a frota de automóveis aumentava, a prefeita nada fez para diminuir os congestionamentos. Apenas deixou mudar o critério de aferição dos engarrafamentos com a diminuição de vias monitoradas, a desativação de 60% das câmeras instaladas e o corte de funcionários responsáveis pela medição. Não cumpriu a promessa de parceria com o governo estadual para construção de novas estações de metrô. O atendimento à saúde permanece lastimável. A situação dos camelôs, fora de controle. A dos paulistanos frente a enchentes, sem solução. Marta piorou a poluição visual da cidade, sancionando uma lei que permite 11.000 outdoors e cartazes regulamentados na cidade. Durante todo o seu governo pipocaram denúncias envolvendo as empresas de lixo. Indícios de fraude levaram à suspensão de uma megalicitação para o serviço de lixo cujos contratos, que pagariam às empresas 50% a mais do que é gasto no momento atual, teriam a duração de 20 anos. A prefeita aumentou o número de servidores de 116.000 para 130.000 e os gastos com pessoal cresceram 26%. Avançou no bolso dos paulistanos: criou taxas de lixo e iluminação. Introduziu o IPTU progressivo. Reajustou o ISS. Mesmo assim, do começo de sua gestão até agosto de 2004, a dívida líquida da prefeitura aumentou 38%. Marta optou por não pagar uma parcela de R$ 3,1 bilhões à União. Com isso, os juros passaram de 6% a 9% retroativos ao início do acordo. Para aumentar o buraco, contraiu novos empréstimos. Marta Suplicy, desatenta à lei de responsabilidade fiscal, deixa uma dívida que corresponde a 233% do valor das receitas líquidas da cidade de São Paulo, enquanto a média de endividamento das outras capitais está em 38%. Lady Macbeth é um personagem poderoso, mas Shakespeare a retira de cena no meio da peça. E é muito provável que os eleitores removam Dona Marta da prefeitura no dia 31.