Título: Legislativo e Executivo estão no mesmo barco
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2005, Opinião, p. A10

Não foi simplesmente um abraço de afogado. O presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), denunciou a existência de um "mensalão" que seria pago pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, a deputados do PL e do PP, com um objetivo claro: desviar a atenção da opinião pública, até agora absorvida pelo escândalo dos Correios, para outra direção. Se apontar para o Palácio do Planalto, melhor para ele. Como único foco de denúncias de corrupção, Jefferson teria sobre si uma pressão maior da opinião pública por uma punição exemplar. Dividindo as atenções com denúncias que envolvem o PT e o Palácio do Planalto, as pressões tendem a ser maiores para a punição dos que estiverem mais perto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Jefferson provocou um jogo de empurra que beira o ridículo. Desde ontem, o governo tenta dissociar-se do escândalo, como se ele fosse um problema exclusivo do Congresso. A oposição, de sua parte, tenta colar o escândalo ao Palácio do Planalto. A denúncia, no entanto, atinge em cheio o Palácio do Planalto e chega com a mesma intensidade ao Legislativo. Ambos são parte de um sistema político gravemente colocado em xeque por denúncias que se avolumam há algumas semanas, já atingem o mercado financeiro e podem acertar a economia. Para o Legislativo, as denúncias de Jefferson têm um potencial destruidor muito maior do que a CPI do Orçamento. A comissão de inquérito que, após o impeachment do presidente Fernando Collor, investigou manipulação de verbas orçamentárias, fez o Congresso cortar a própria carne, sob pena de desmoralização completa. Não foi nada perto da situação que agora se denuncia. Se a denúncia for procedente, a mesada aos parlamentares - segundo o presidente do PTB, oferecida a mais de uma centena - bota a prêmio a cabeça de um quinto a um terço dos deputados. O episódio expõe uma séria crise do sistema político-partidário e, se o Congresso não se obrigar novamente a atuar com seriedade, estará tirando a credibilidade da instituição mais importante na democracia, a que abriga a representação popular dos Estados e que deveria funcionar como um sistema de freios e contrapesos do Poder Executivo. Mas, ensinou a CPI do Orçamento, não basta apurar e punir. É preciso que os partidos minimamente responsáveis e o próprio Congresso encontrem formas de não reproduzir, indefinidamente, um sistema onde não sobrevivem os compromissos com os eleitores, os padrões éticos são frouxos e os partidos políticos são abrigos para interesses pessoais. Há dez anos (dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e meio de Lula), o Brasil, pelo voto direto, cortou seus vínculos com as elites tradicionais, elegendo presidentes com histórias pessoais de independência em relação às oligarquias políticas. Ambos foram eleitos empunhando a bandeira da reforma política. Em nenhum dos governos, no entanto, houve qualquer mudança no status quo do sistema político-partidário brasileiro. É certo que as dificuldades para a formação de maiorias, impostas pelo próprio sistema, tendem a imobilizar as ações destinadas a mudar essa realidade. Mas, em algum momento, PT e PSDB passaram a acreditar que seria mais cômodo e conveniente usar as fragilidades do sistema atual para governar do que apostar numa mudança na qualidade da política. O uso de partidos de mentira e parlamentares de ocasião para constituir maiorias tem seu preço. Fernando Henrique pagou por isso no final de seu governo. Lula está quitando a conta já no primeiro mandato. Ambos mostraram para a história que a esperteza de usar maiorias construídas artificialmente se volta contra o esperto. Lula, que se declarou "parceiro" de Jefferson após as denúncias de cobrança de propinas por indicados do parlamentar nos Correios, deve estar agora arrependido da parceria. Tornou-se refém dela. Cansados dos solavancos políticos que normalmente sucedem os escândalos, os brasileiros merecem que a atual turbulência pelo menos sirva para o futuro: para que a classe política encare, de uma vez por todas, as mudanças institucionais necessárias para não reproduzir o moto-contínuo de escândalos e crises; e para que a Justiça eleitoral seja ágil o suficiente para expurgar da vida política aqueles que já ganham seus mandatos fraudando eleições. A opinião pública, por sua vez, não deve pedir apenas a punição dos culpados. É preciso que exija um rompimento definitivo com um sistema político que nasceu velho, sobrevive de corrupção e clientela e que representa menos os eleitores e mais a si próprio.