Título: Governo deve reconhecer mais R$ 44 bi em dívidas
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2005, Finanças, p. C8

Esqueletos Nos próximos três anos, novos débitos entram na conta

O reconhecimento de "esqueletos" - apelido consagrado das obrigações existentes mas ainda fora dos indicadores fiscais de endividamento - causará impacto de pelo menos R$ 44 bilhões na dívida líquida consolidada do setor público, nos próximos três anos. Este é o volume de títulos federais que o Tesouro Nacional planeja emitir para securitizar dívidas na fila para serem reconhecidas. Só para credores do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), em última instância uma responsabilidade sua, o Tesouro prevê entregar R$ 39 bilhões em títulos federais no triênio 2006/2008. Gerador do maior dos "esqueletos" fiscais já mensurados, o FCVS é o mecanismo de subsídio indireto responsável por quitar, junto aos bancos, o saldo devedor residual de antigos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), beneficiados por planos econômicos (com subreajustamento de prestações). O restante do total a ser reconhecido no mesmo período refere-se a dois tipos de passivo: dívidas diretas da União, relativas principalmente a ações perdidas na Justiça em torno de planos econômicos, e dívidas decorrentes da extinção de órgãos da administração pública nos últimos anos. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), a elevação a ser provocada pela incorporação de "esqueletos" no saldo da dívida é estimada em 1,88 ponto percentual, na soma dos três anos. O impacto maior será em 2006: 0,71% do PIB. Para 2007 e 2008, estão previstos, respectivamente, aumentos de 0,65% de 0,52% do PIB, em função desse processo. Apesar disso, por causa de fatores que compensarão o efeito dos "esqueletos", a dívida deverá cair como proporção do PIB, indicam as previsões do Tesouro Nacional e do Banco Central. Se elas estiverem certas, o montante devido liquidamente por União, Estados, Municípios e empresas estatais a credores internos e externos encerrará o triênio 2006/2008 em 48,43% do PIB, mesmo com a emissão dos R$ 44 bilhões planejados. Isso terá representado uma queda de quase três pontos percentuais em relação ao final de 2005, quando a relação estará em 51,3%, pelas projeções do BC. No fim de abril, última posição apurada, o seu valor nominal da dívida estava em R$ 956,677 bilhões e a relação com o PIB, em 50,1%. A previsão de crescimento até dezembro deve-se à expectativa de recuperação da taxa de câmbio, que indexa boa parte dela, e ao efeito da alta dos juros, que ainda não se refletiu plenamente no estoque de títulos federais. A previsão de retomada da trajetória de queda da relação dívida/PIB a partir de 2006 leva em consideração, entre outros fatores, o que vai ser economizado em receitas para pagar juros (superávit primário). As metas previstas no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para ano que vem exigem que o setor público obtenha resultado primário positivo de, no mínimo, 4,25% do PIB por ano, até 2008, em suas contas. Outra premissa é a redução da taxa básica de juros e, por consequência, do custo de rolagem da dívida. O governo também conta com expansão real do PIB, de 4,5% por ano, durante o triênio. O processo de securitização de passivos hoje fora das estatísticas oficiais de endividamento ainda vai longe. O estoque de dívidas em processo de reconhecimento é estimado pelo governo em R$ 87,7 bilhões, praticamente o dobro do que se planeja securitizar até 2008. Só as do FCVS respondem por R$ 73,6 bilhões. A parte das dívidas diretas da União chega a R$ 6 bilhões e a decorrente da extinção de entidades da administração pública, a R$ 2,9 bilhões, segundo o Tesouro. Os "esqueletos" fiscais começaram a ser explicitados em 1996, pelo governo Fernando Henrique. Desde então, já foram reconhecidos até abril deste ano, em valores históricos, R$ 113,358 bilhões em passivos antes ocultos, informa o Departamento Econômico do Banco Central (Depec), responsável pela consolidação das estatísticas da dívida pública líquida de todas as esferas de poder (federal, estadual, municipal). Corrigidos pelos respectivos indexadores, os valores incorporados a essas estatísticas, nesse processo, chegam a R$ 267,94 bilhões, acrescenta o Depec. Isso significa que quase 30% do saldo da dívida atualmente (posição de abril) é consequência do reconhecimento de passivos que já existiam antes, mas que não eram contabilizados. Só do FCVS, já foram reconhecidos R$ 42,62 bilhões, em valores corrigidos desde o momento da incorporação ao saldo. Pelo mesmo critério, o maior impacto, até agora, porém, foi o da capitalização de bancos federais. O dinheiro que o Tesouro Nacional teve que colocar nesses bancos para cobrir patrimônio negativo e rombos não explicitados chega a R$ 72,92 bilhões. Desde 1996, todos os bancos federais comerciais, entre eles o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, precisaram de ajuda do Tesouro Nacional para voltar a ter saúde financeira. Os bancos estaduais respondem pelo segundo maior impacto fiscal causado pelos "esqueletos" até agora. Foram R$ 65,66 bilhões, em valores atualizados até abril último. Isso foi o que os governos estaduais tiveram que gastar para capitalizar suas instituições financeiras ou para substituir ativos "podres" de suas carteiras, em muitos casos, títulos de emissão dos próprios Estados controladores. Nesse processo de ajuste, que foi quase todo financiado pela União, muitos bancos foram privatizados, a exemplo do Banespa. Outros foram extintos, depois que a clientela, passivos e ativos foram transferidos para bancos federais.