Título: Executivos sonham com um país melhor para viver sem medo
Autor: Stela Campos
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2005, EU &, p. D6

De Olho no Futuro Pesquisa com 1052 presidentes, diretores e gerentes mostra os sonhos desses profissionais

"Ficaria muito feliz se no futuro se me transferissem para a matriz da companhia nos Estados Unidos", desabafa Lucila de Ávila, diretora regional para a América do Sul da Lyondell Chemical. "Moro em São Paulo, tenho três filhos e vivo tensa com notícias sobre seqüestros e roubos. Meu sonho era morar em um lugar onde as crianças pudessem andar na rua sem preocupação". A executiva vive hoje o melhor momento de sua carreira. No fim do ano, a múlti onde trabalha, presente em 17 países, com faturamento global de US$ 16 bilhões, comprou uma outra empresa para começar a produzir no Brasil. "Estou motivada com este grande desafio profissional, mas mas acho que o país tem que melhorar, não vejo luz no fim do túnel", diz. Ela não é a única a ter uma visão niilista sobre o futuro do país. Uma pesquisa com 1052 executivos (presidentes, diretores e gerentes) das 500 maiores empresas em atividade no país (ranking "Exame") mostrou que 27% deles sonham com um Brasil melhor. Entre eles, 47% dos presidentes demonstraram ter esse como seu maior sonho. O levantamento conduzido pela professora Betania Tanure, da Fundação Dom Cabral (FDC), indica que 11% dos comandantes das empresas estão dispostos a dedicar um pouco de seu tempo para ajudar o país a mudar de alguma forma. Em todas as funções, entretanto, o sonho de ter um Brasil melhor está alinhado com o desenvolvimento da própria carreira (27%), seguido pela esperança de uma melhora na qualidade de vida (20%). "Os sonhos estão muito voltados para a vida pessoal, performance e não para ações relacionadas à empresa", explica a pesquisadora. "Mesmo essa preocupação com um país melhor, o enfoque é como isso rebate na pessoa. Um exemplo, é questão da diminuição da criminalidade. Também existe uma vontade de se ter uma sociedade mais justa, com mais responsabilidade social, mas o foco principal é o indivíduo". Foto: Marisa Cauduro/Valor

Lucila de Ávila, diretora regional para a América do Sul da Lyondell Chemical, sonha com um país menos violento "No meu plano de vida está fazer parte de uma entidade filantrópica" , conta Antonio Castilho, vice-presidente da Visanet. Ele é marido de Lucila e compartilha com ela as angústias sobre o futuro do país e da família. Hoje, sua jornada é de 12 a 14 horas diárias. Conciliar sua agenda com a da esposa executiva requer muita ginástica. "Procuramos nos revezar, quando um viaja a negócios o outro não marca nada para poder cuidar dos filhos", conta. "O fim de semana é sagrado, tentamos dedicá-lo todo à nossa vida familiar". Quando se chega ao primeiro posto da empresa fica mais difícil sonhar com esse tempo exclusivo para a família, mas esse é o preço que os presidentes sabem que precisam pagar por terem chegado lá. Uma melhor qualidade de vida é um sonho para 25% deles. "Quem escolheu essa trajetória se dispõe a pagar o preço", diz Eduardo Bom Angelo, presidente da Brasilprev Seguros e Previdência. No sábado à noite, durante o feriado de Corpus Christi, Bom Angelo viajou de São Paulo para Florianópolis para proferir uma palestra para 500 jovens. Qualidade de vida para ele hoje significa dedicar seu tempo a projetos com os quais se identifica. "Procuro só aceitar convites para estar com quem gosto e fazer o que acho importante", diz. O fim de semana ele usa para escrever livros, organizar o material de suas palestras, escrever artigos. Em resumo, investe na própria carreira, independente da sua atuação na companhia como faz boa parte dos entrevistados da pesquisa. Se o presidente da Brasilprev trabalha no fim de semana por opção, alguns executivos mais jovens fazem isso porque são obrigados a investir quase todo seu tempo no trabalho para progredir na carreira. Desenvolver-se profissionalmente, afinal, é o sonho de 30% dos gerentes pesquisados. Mas, se por um lado, eles querem a ascenção profissional, 20% dos seus sonhos estão relacionados à busca de uma melhor qualidade de vida no futuro. "Os jovens são mais regidos pela ética do prazer do que do dever, por isso querem viver bem", diz Betania Tanure. Mas, para eles, equacionar o trabalho e a vida pessoal hoje parece um sonho impossível. "Os profissionais, no geral, estão se sentindo espremidos, no seu limite", diz Betania Tanure. Cláudio Eduardo Pinto Azalim, analista de processos da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), há um ano e meio está envolvido em um projeto de implantação de ERP para a empresa. O trabalho requer que ele viaje para o Rio de Janeiro toda semana na segunda-feira pela manhã e só volte para casa, em Belo Horizonte, na sexta-feira a noite. Ele é casado e pai de três filhos. "Hoje sou quase uma visita lá em casa", lamenta. Apesar de estar se dedicando integralmente ao projeto, Azalim sente que está negligenciando a própria carreira. Há pouco tempo, ele realizou um MBA oferecido pela companhia. "Foi só o que consegui fazer de investimento profissional nos últimos tempos", diz. Há 16 anos na companhia, ele almeja chegar a ocupar uma diretoria da CVRD. "Meu sonho é vencer profissionalmente. Quero melhorar dentro da companhia, mas também quero deixar as portas abertas para o mercado", diz. Um dado que surpreendeu a pesquisadora da FDC na pesquisa é justamente o fato de 9% de todos os profissionais entrevistados de empresas nacionais e 10% dos que atuam em multinacionais terem o sonho de mudar de empresa. "As companhias não estão contando com isso", destaca Betania Tanure. "Se o mercado melhorar elas vão querer sair". Ela acredita que as empresas deveriam pensar mais na qualidade dos desafios oferecidos em seus ambientes de trabalho porque correm o risco de perder muitos profissionais qualificados. Fazendo uma segmentação por área de atuação, o levantamento mostra que os executivos ligados à produção são os que mais sonham com uma mudança de emprego e seu desenvolvimento individual. Os do setor comercial querem mais qualidade de vida, uma vez que vivem hoje sob uma tremenda pressão por resultados. "Eles viajam muito e são bastante cobrados por suas performances", diz Betania. O mesmo ocorre com os profissionais de finanças e de recursos humanos. Entre os executivos que ocupam cargos de conselheiros, 47% sonham com mais qualidade de vida. "Eles viajam muito e têm uma demanda social de representatividade muito grande", diz Betania. A economista Clarice Messer participa de dezenas de conselhos de administração, como do grupo Lachman, Helios Carbex, Alumni, CIEE, entre outros. Depois de ter dedicado boa parte de sua vida aos estudos acadêmicos, chegou ao pós-doutorado, ela diz que só agora conseguiu um bom balanço entre a vida pessoal e o trabalho. O segredo dessa façanha, segundo ela, foi justamente ter aprendido a selecionar o que podia, de fato, fazer. "Hoje escolho e respondo muito rápido, antes era mais difícil dizer não", conta. "Tem uma fase da carreira que você não pode negar as oportunidades que vão aparecendo e acaba se complicando". O maior sonho de Clarice hoje é em relação à melhoria da performance das empresas para as quais trabalha. "Quero contribuir para que elas durem", diz. "A liada a essa vontade gostaria de contribuir para a formação de uma nova geração de líderes empresariais", diz. Esse desejo de melhorar a performance das companhias onde atuam, segundo a pesquisa, é um sonho mais feminino. Ele aparece na indicação de 16% das mulheres contra 10% dos homens. Elas também são as que mais almejam uma melhoria na qualidade de vida, sonho de 23% delas e 19% dos homens. "As executivas se sentem mais cobradas pela responsabilidade de zelar pela harmonia das relações familiares, elas próprias se culpam quando não conseguem levar os filhos para uma consulta médica, por exemplo", diz Betania. A vontade de ter um país melhor, entretanto, é o maior sonho de 30% das executivas contra 19% dos executivos. "Elas pensam mais no coletivo", diz a pesquisadora. Eles, por sua vez, pensam mais na própria carreira e sonham mais com sua independência financeira. "Eles querem ganhar mais dinheiro, ficar ricos", diz Betânia. Esse é o sonho de 12% deles contra 8% delas.