Título: Cobertura cambial de exportações e o Bacen
Autor: Andrea Coelho de Mendonça
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"A imposição de multas de valor equivalente ao das mercadorias exportadas chega às raias do absurdo"

A legislação vigente estabelece que os exportadores são obrigados a realizar operações de câmbio, relativas às exportações, através de instituições financeiras autorizadas a operar em câmbio no país. A violação desta regra sujeita o infrator à penalidade de multa pecuniária correspondente, no máximo, ao dobro do valor da operação e, no mínimo, de cinco "contos de réis", conforme consta no artigo 6º do Decreto nº 23.258, de 19 de outubro de 1933. O que ocorre, com esmagadora freqüência, nos processos administrativos instaurados pelo Banco Central do Brasil (Bacen), é que quando o exportador não promove, no prazo máximo 210 dias (antes 180), a entrada das divisas correspondentes aos despachos de exportações, ou quando o importador torna-se inadimplente e o exportador brasileiro não faz o repatriamento das mercadorias exportadas, ou não ingressa, no exterior, com a competente ação de cobrança, o Bacen aplica multa correspondente a 100% dos valores exportados. A legislação relativa a comércio exterior veda a compensação privada, o que significa dizer que, se o exportador é, ao mesmo tempo, importador em negócio realizado com mesma pessoa, domiciliada ou com sede no exterior, não é possível se aplicar, contabilmente, o instituto da compensação (artigo 368 do Código Civil). Devido a essa proibição, devem ser realizadas operações de câmbio tanto para uma como para outra situação (importação e exportação), com a vinculação junto ao Siscomex. O objetivo de nossa reflexão diz respeito à dosimetria da pena nos casos de transgressão das normas cambiais vigentes, pois, quando em 1933 foi publicado o Decreto nº 23.258, as nossas divisas eram muito escassas e a principal moeda conversível, o dólar, tinha cotação oficial a um valor bem menor do que aquele encontrado no câmbio paralelo. Devido a essa grande diferença, nossas reservas cambiais ficariam prejudicadas se nossos exportadores não ingressassem no país com as divisas no mercado oficial. Justificava-se, dessa forma, a multa correspondente a até 200% do valor das mercadorias ou serviços exportados. Com o passar do tempo, no entanto, o cenário mudou muito, principalmente da última década até os dias de hoje, de forma a não mais se justificar uma multa de tão alto valor. As diferenças entre as cotações no mercado paralelo e no mercado oficial, hoje em dia, são pequenas. É claro que, mesmo diante da enorme liberalização ocorrida sobre matéria cambial, há o controle da moeda e, se o exportador não cumpre as obrigações estabelecidas nas normas, sem dúvida será apenado. A Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, traça diretrizes para o balizamento da multa, quando ela não é fixa. Assim, deve ser ela aplicada em consonância com os princípios referidos na aludida lei, que são os princípios da motivação, da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, em condições estritamente necessárias ao atendimento do interesse público (artigo 2º).

A tendência da moderna legislação é a de minimizar a pena pecuniária, tendo como exemplo o Código de Defesa do Consumidor

Infrações certamente mais graves que as previstas no Decreto nº 23.258/33 têm penas menores. É o caso, por exemplo, da declaração de informações falsas em contrato de câmbio e a classificação incorreta da operação, previstas na Lei nº 4.131/62, onde a pena máxima pelas infrações é de 100%, e o Bacen tem aplicado penas bem menores. A aplicação de multa na base de 100% sobre o valor da operação a uma empresa brasileira que exportou seus produtos e não promoveu a cobertura cambial, com vinculação ao Siscomex, se não é um confisco, vedado pela Constituição Federal, é, no mínimo, um exagero. Toda pena de multa pecuniária deve ser dosada de forma a desencorajar infrações aos preceitos legais, mas não a ponto de inviabilizar as atividades de uma empresa. A tendência da moderna legislação é a de minimizar a pena pecuniária. Como exemplo, cita-se o Código de Defesa do Consumidor, que limita as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações em 2%, que é o mesmo percentual da multa a ser cobrada do condômino que, em condomínio de edifícios, não paga a sua contribuição no tempo devido. São minguados estes percentuais? Ao nosso ver sim, mas foram estas as determinações do legislador contemporâneo. No caso das multas impostas pelo Bacen aos exportadores, decorrentes da falta de cobertura cambial, não há necessidade de nova lei para que as penalidades sejam mais condizentes com a infração e com a atualidade, pois o decreto editado em 1933 estabelece percentual bastante elástico, como antes nos referimos, bastando que o aplicador se oriente dentro dos parâmetros vigentes. Vários membros do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional já se posicionaram a respeito do que ora estamos preconizando, porque impor aos exportadores penas de multas pecuniárias de valor equivalente ao das mercadorias vendidas chega às raias do absurdo. É preciso que as autoridades reflitam bem sobre a matéria, pois tais níveis de multas pecuniárias extrapolam o estritamente necessário ao atendimento do interesse público.