Título: Governo desqualifica estudo sobre superávit
Autor: Mônica Izaguirre e Rodrigo Bittar
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2004, Brasil, p. A-3

Para Tesouro, restos a pagar não afetam qualidade do ajuste

O ministro do Planejamento, Guido Mantega, procurou desqualificar, ontem, o estudo divulgado pela assessoria do senador oposicionista Tasso Jereissati (PSDB/CE) a respeito do superávit fiscal primário (exclui despesas com juros) obtido pelo governo em 2003. "Quem fez aquela análise não entende nada de restos a pagar", afirmou o ministro, contestando números e conclusões. No estudo, os assessores do senador Tasso questionam a qualidade e a sustentabilidade do aumento de superávit obtido de 2002 para 2003, elevação esta que chegou a R$ 8 bilhões. O problema, segundo eles, é que desse total, mais de 50% (R$ 4,4 bilhões) foram resultado de uma maior postergação, para o ano seguinte, de despesas que já tinham sido objeto de empenho pelos ministérios. São os chamados restos a pagar. Com base em informações que teriam sido colhidas no próprio Tesouro Nacional, o estudo informa que o governo Luiz Inácio Lula da Silva jogou para 2004 R$ 7,98 bilhões de restos a pagar do orçamento de 2003. O volume foi bem superior ao que foi adiado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, de 2002 para 2003, e que alcançou R$ 3,58 bilhões. Para a assessoria do senador Tasso Jereissati, a utilização desse mecanismo (intensificação dos adiamentos) como forma de aumentar o superávit primário não é boa porque pode comprometer metas fiscais de anos posteriores e aumentar a dívida líquida do setor público. "Esse tipo de aumento de superávit primário é transitório, podendo comprometer a meta fiscal do ano seguinte, caso não haja um aumento suficiente da receita", afirma a nota. O ministro Guido Mantega contestou os números. Disse que o grande erro da assessoria do senador foi contabilizar apenas restos a pagar processados, ou seja, aqueles que, na virada do ano, não podiam mais ser contestados nem cancelados. O procedimento correto, segundo o ministro, seria computar todos os restos a pagar inscritos, o que inclui aqueles que, na virada do ano, ainda dependiam de alguma checagem para ter o pagamento liberado. O ministro do Planejamento defendeu ainda que o conceito mais amplo é mais correto porque, tradicionalmente, muitos restos a pagar que entram o ano, como não são processados acabam se confirmando. Guido Mantega afirmou que, na "comparação correta", houve justamente o contrário do que apontou a assessoria de Tasso. Considerados os restos pagar inscritos, o governo Lula jogou para 2004 R$ 9,1 bilhões. Já o governo anterior chegou a postergar, entre os exercícios de 2001 e 2002, R$ 13,1 bilhões, valor que caiu para R$ 9,2 de 2002 para 2003. Também em reação ao estudo divulgado pela assessoria de Tasso Jereissati, o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, afirmou que os restos a pagar feitos nos últimos anos e neste exercício de 2004 não afetam a qualidade do ajuste que o governo está fazendo e também não vão comprometer o volume de investimentos previstos para este ano, que são da ordem de R$ 10,5 bilhões. O secretário do Tesouro lembrou que a execução dos restos a pagar é determinada por dois dispositivos legais: um é a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que, no último ano de mandato, não se pode deixar restos a pagar em valores superiores ao caixa disponível para o próximo ano. Assim, a dificuldade do governo anterior em emitir na segunda metade de 2002 diminuiu as disponibilidades do Tesouro, contribuindo para quebrar o ciclo de aumento de restos a pagar que havia se estabelecido desde 1999. O outro foi o dispositivo que o Congresso introduziu na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2003, que limita a inscrição de restos a pagar de despesas não processadas à metade do valor da despesa não processada inscrita no ano anterior (2002). "Em 2001, houve um aumento enorme de restos a pagar e uma boa parte disso foi reduzida em 2002. Em 2003, houve uma continuação dessa diminuição", disse o secretário. Por conta dos vários impactos do início do ano passado - provocados especialmente pelo aumento do risco-país, repique inflacionário e aumento do dólar - , o secretário disse que "é óbvio que não conseguimos baixar (os restos a pagar para 2004) tanto quanto gostaríamos".