Título: Indústria fez pouca substituição de importações
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2004, Brasil, p. A-4

O movimento de substituição de importações - iniciado com a desvalorização cambial de 1999 e intensificado em 2001 - foi parcial e atingiu apenas 12 entre os 26 principais insumos e bens de capital utilizados pela indústria. Ele também não foi acompanhado por uma transformação estrutural na base de produção de bens intermediários no país, o que permite supor que um crescimento sustentado da demanda doméstica nos próximos anos pode comprometer o próprio processo e os saldos da balança comercial brasileira registrados recentemente. A constatação é de uma pesquisa elaborada pelo professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Flávio Fligenspan, que cruzou dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre importação, produção local e exportação dos insumos com a fabricação doméstica dos produtos industriais que utilizam as mesmas matérias-primas e equipamentos relacionados. O período de análise vai de 1998 a 2003, último ano com dados completos disponíveis de importação e exportação. A evidência da fragilidade do processo de substituição de importações é que as maiores quedas ou os menores aumentos nas compras externas de insumos não foram provocados pelo crescimento da produção interna dos mesmos bens intermediários, mas sim pela queda da demanda dos fabricantes de produtos finais. Entre os 26 segmentos, 13 aumentaram o coeficiente de importações (divisão das compras externas pela produção brasileira do mesmo insumo) entre 1998 e 2003. Nestes, a importação média dos seis primeiros segmentos (outros produtos químicos, farmacêuticos, adubos, alimentares, elementos químicos não-petroquímicos e petroquímicos básicos) cresceu 63,7% e esta elevação foi acompanhada por uma expansão média de 11,7% na fabricação dos produtos finais e uma expansão de apenas 6,9% na produção interna das matérias-primas correspondentes. Nos sete setores restantes, que apresentaram uma expansão média de 9,8% nas importações de insumos, a produção das indústrias consumidoras caiu 8,9% e a fabricação dos mesmos insumos no país recuou 7,4%. Na opinião do professor, a fragilidade desse processo indica que se o crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) se mantiver entre 3,5% e 4% nos próximos dois anos, as importações voltarão a crescer de forma mais generalizada e as exportações deverão recuar. "A substituição pode ter sido forte em parte dos setores, mas ela ocorreu sem grandes investimentos em novas capacidades de produção", avalia Fligenspan. O processo de substituição de importações reduziu o déficit comercial destes 26 setores, mas não foi suficiente para anulá-lo. O saldo foi negativo em US$ 5,3 bilhões em 2003, ante US$ 16,3 bilhões em 1998. Nos setores em que houve a troca por fornecedores locais, o saldo saiu de US$ 6,7 bilhões negativos em 1998 para US$ 2,6 bilhões positivos no ano passado, mas nos que permaneceram importadores o resultado oscilou de US$ 11,7 bilhões para US$ 10,6 bilhões, ambos negativos, na mesma comparação. No setor siderúrgico, o superávit oscilou de US$ 2,1 bilhões para US$ 2,6 bilhões. Dos 12 setores produtores de insumos onde ocorreu substituição de importações, oito foram acompanhados pelo aumento da produção interna dos produtos finais. Mas a média de redução das compras externas desses bens intermediários foi de 27,8%, ante os 42,8% registrados nos quatro segmentos (madeira, couro, fios naturais e tecidos naturais) cujos produtores locais de bens finais registraram quedas de 1,8% até 17,7%. Esses quatro últimos setores também foram os que apresentaram, no período, o menor crescimento médio na produção interna do insumo (6,1%) e a maior expansão das exportações (127,1%), ante 25% e 100,5% nos oito primeiros segmentos, respectivamente. O comportamento dos produtos siderúrgicos básicos foi considerado "neutro" porque as oscilações das importações, produção interna e demanda doméstica foram muito semelhantes, de 20%, 18,9% e 18,7%, respectivamente.