Título: As águas rolarão depois da eleição
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2004, Política, p. A-5

Diz um amigo meu, comunista crônico, que do jeito que vão as eleições, de três, uma: os governistas levam de lavada, a oposição conquista espetacular vitória, mas pode acontecer, também, chegar-se a um mais ou menos para cada lado. Ele não erra nunca. Aprendi a lição. Com o valor simbólico e a quantidade de votos em disputa pelas 44 prefeituras restantes, ou o PT consegue sensacional vitória ou o PSDB arrasa, sem prejuízo da possibilidade de que os dois só pesquem algumas e os demais partidos abocanhem outras tantas. Seria um típico resultado mais ou menos. Por estas previsões não há como errar. O interessante é o que deve acontecer depois. Concentrando ou desconcentrando nacionalmente as respectivas votações, PMDB, PFL, PSDB e PT, os quatro decisivos, entrarão em fase de turbulência. Menos pelos lamentos dos que sobraram do contingente de vitoriosos, e mais pelas reclamações dos que conduziram o barco a bom porto. Seja ele qual for, já que para vencedores todo porto é bom. As contradições pemedebistas são históricas e há um punhado de motivos para que continuem incomodando, talvez bem mais acaloradas pelo que está em jogo fora da arena eleitoral. Presidência do Congresso, por exemplo, ministérios, até mesmo embaixadas mundo a fora. Ao PFL caberá resolver a disputa entre duas de suas poderosas alas, independente do que ocorra em Salvador e em Florianópolis. A decisão da ala com viés adesista deve aguardar os movimentos do PT, os quais, em princípio, também não estariam condicionados pelas urnas, muito embora, caso o partido saia vencedor em três ou quatro das prefeituras que disputa, tenha que enfrentar o revigorado grupo de petistas pela esquerda. Falando em PT, apresentando-se como generoso distribuidor de absolvições a siglas esdrúxulas, a consolidada vitória parcial promete trazer ao partido no governo o desafio da democratização interna. Tensão larvar faz muito tempo, envolve, além de repto à absoluta hegemonia da mesma geração partidária, indisfarçável desconforto com o reiterado desequilíbrio federativo no controle do partido, isto é, no controle por São Paulo. Ônus do poder, São Paulo deverá responder por ter sido o berço das atuais legendas que lideram o governo e a oposição. A matéria vai exigir suplementares doses de competência política na condução de um sensível debate, mesmo surdo-mudo, que, conquanto pertinente, não deve desencaminhar-se por preconceitos ou ressentimentos paroquiais. Afinal, a discussão, no PT, não estará contaminada por devaneios presidenciais. Salvo se as forças do destino resolverem o contrário, o candidato será Lula e ponto. Mas a própria unanimidade sobre a sucessão alimenta a ambição dos petistas por compensações em outras arenas de poder.

PMDB, PFL, PSDB e PT entrarão em turbulência

No PSDB, que viverá, ainda que o negando, idêntico problema - o da democratização - soma-se a explosiva questão sucessória. Estarão em jogo muitas cartas além da necessidade de redistribuir fatias de poder partidário. A redistribuição terá que transportar alguns trampolins adaptados para salto em altura, ao contrário das plataformas atuais de que se lançam proto candidatos em busca de vitórias que aumentam, antes que encurtam, a distância do pódio principal. Ou meu preclaro comunista crônico muito se engana, ou essa parada, muito mais do que os bofetes internos do PT, deve provocar novo alarme do "The Economist" a propósito da carnificina que, então, reportará. Partidos nacionais médios, como o PP, o PL e o PTB, tanto quanto os pequenos PPS e PDT, também se verão às voltas com turbulências internas. O PPS, desde FHC, é o PSDB no armário, e o PDT, espremido entre uma esquerda fisiológica, a parte do PMDB, e outra, mais estrategicamente consistente, representada pelo PCdoB e o PSB (o PV é outro PSDB no armário), e estando a direita sem vaga, provavelmente não ultrapassará o plano municipal. Por razões contextuais, o PDT pode vir a eleger governadores, mas o partido não voltará a ter o mesmo peso do tempo em que Leonel Brizola disputava com o PT a hegemonia da esquerda. Perdeu. Não obstante, a confederação com o PPS é pouco provável, precisamente porque, ao contrário deste, o PDT definitivamente não é outro PSDB no armário. Além disso, o desaparecimento de Brizola deixou somente o PPS como representante da versão culto à personalidade tupiniquim. Enfim, como lá concluiria meu comunista crônico, essa eleição vai dar pano pra mangas.