Título: "Oposição quer atalho ao poder", diz Aldo
Autor: Cristiano Romero e Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2005, Política, p. A8

O governo está se preparando para enfrentar a Comissão Parlamentar de Inquérito como um campo da guerra política. Está convicto de que a CPI é um produto da luta política mais ampla do que uma disputa eleitoral entre dois adversários, o PT e o PSDB. É uma luta governo-oposição, e é para enfrentar esta luta que vem traçando suas estratégias em sucessivas reuniões entre o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, e os líderes dos partidos aliados na Câmara e no Senado, desde ontem. A idéia que vem sendo difundida por aliados do governo de que a crise atual é um golpe, consubstanciado pela CPI é, na avaliação do ministro Aldo Rebelo, apenas retórica. O principal formulador político do governo não vê a crise como um golpe de Estado no sentido histórico, clássico, de tomada do poder pela força militar. Mas a vê, sim, como uma luta política clássica, com todos os traços e marcas da luta política dos últimos 50 anos no Brasil. "É uma oposição que tem receio das urnas e procura atalhos para o poder", afirmou Rebelo em entrevista ao Valor. A oposição, diz Aldo, quer isolar o governo, retirar-lhe a maioria no parlamento, criar artificialmente um clima de "mar de lama". Isto agita a classe média contra o governo, cria uma brecha de instabilidade na política econômica, que poderia ser a inflação em alta ou o baixo crescimento do PIB, para enfraquecer o governo. "Uma receita clássica", afirma Rebelo. "Isso poderia servir ao golpismo clássico, o da quartelada, que no Brasil não tem mais chance de vingar. Não é isso que está posto. O que está colocado é fragilizar as forças políticas emergentes, subjugá-las e impedir que elas governem e se mantenham no poder. A mesma receita para assegurar o mesmo objetivo, mas não através de um golpe militar, mas de uma eleição." Em pelo menos dois momentos da história do país nos últimos 50 anos, menciona Aldo, essa forma de golpismo desestabilizou presidentes democraticamente eleitos - em 1954, com Getúlio Vargas, e em 1961, com Jânio Quadros. Na gestão Fernando Henrique (1995-2002), as crises políticas, relacionadas a denúncias de corrupção e a problemas com a base de apoio do presidente, foram constantes e, em várias ocasiões, o PT e outros partidos, então na oposição, chegaram a pedir a renúncia e o impeachment do presidente. Era possível diagnosticar ali o mesmo fenômeno golpista? Aldo Rebelo diz que não. As forças de sustentação do governo Fernando Henrique, em sua opinião, eram mais amplas, sedimentadas e organizadas do que as que dão sustentação ao presidente Lula. "Havia um grau de cumplicidade grande", define. A articulação que o governo vê agora é maior que a de alguns partidos de oposição. "Não há articulação partidária sem uma base política, social, ideológica, intelectual, acadêmica", assinala o ministro. A estratégia do governo é, então, a de enfrentar a luta política, e não apenas a disputa parlamentar. "A chicana parlamentar é sub-produto". O ministro da Coordenação Política explica, também, a mudança de posição do governo de radicalmente contrário à CPI dos Correios, quando se mobilizou pela retirada de assinaturas no requerimento que a propunha, atitude que guarda coerência com a tese do golpe, para uma postura totalmente a favor. No primeiro momento, segundo a análise do ministro, a CPI que estava sendo proposta iria se debruçar sobre uma questão "já investigada pelo governo, não havia mais segredo, o agente já estava identificado, tinha sido ouvido e indiciado, e o que se pretendia era um palanque para dar prosseguimento à disputa política". A mudança de posição foi provocada pela entrevista do deputado Roberto Jefferson, denunciando um esquema de pagamento de mesadas a deputados e reafirmando sua decisão de assinar o pedido de CPI. "A entrevista impôs nova atitude do governo, pois o próprio Jefferson recuou da posição contra a CPI. E, nesta circunstância, não havia outro caminho a não ser fazer a CPI, e o governo vai com ela colaborar". Faz parte do arsenal da luta política, na avaliação de Rebelo, a qualificação do governo como ineficiente, sem resultados que possam levá-lo a pleitear um novo mandato, daqui a um ano, constatação de que ele discorda. Neste ponto, a visão do ministro da Coordenação Política sobre a crise mais aguda vivida pelo governo Lula não é compartilhada por outros importantes integrantes do governo e do PT que vêem a origem da crise não na oposição, mas dentro do próprio governo e de sua base de apoio. "Os resultados deste governo são muito melhores. No governo FHC, o Brasil quebrou três vezes. O país também foi ao FMI três vezes", diz Aldo. A administração Lula, afiança, reorganizou a economia tanto do ponto de vista externo quanto interno. Do lado externo, eliminou o déficit. No interno, teria mostrado que é possível administrar a dívida pública. "Quando assumimos o governo, as contas externas eram de dar dó", exemplifica o ministro, ressalvando que a política econômica tem aspectos que podem ser criticados. "Eu destaco os pontos que deram credibilidade ao governo e ao país." Aldo cita ganhos também na área social, com o Bolsa-Família, e na política externa, que busca situar o Brasil num espaço econômico e geopolítico mais favorável e "condizente" com as características do país. Menciona, também, a relevância da questão democrática, em que a presença de um operário, no poder, é momento "inédito, renovador de esperanças". Experiência que, diz, renova a convivência entre forças que têm como primado o conflito. "Agora, elas negociam".