Título: Quebra alivia gargalos no escoamento
Autor: Fernando Lopes, Sérgio Bueno e Marli Lima
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2005, Agronegócios, p. B13

Logística Menor produção brasileira de grãos e câmbio menos favorável às exportações adiam o 'paradão'

Pela segunda safra consecutiva, a redução da produção brasileira de grãos em relação às estimativas iniciais evitou que a ainda deficiente infra-estrutura logística disponível no país se transformasse em um pesadelo para produtores e agroindústrias durante o escoamento da colheita, que neste ciclo 2004/05 já está em fase final. Com a menor oferta sobretudo de soja e milho - e, mais recentemente, com o câmbio menos atraente para as exportações, que estimula uma oferta mais controlada por parte dos produtores -, as famosas filas de caminhões no porto de Paranaguá (PR), que se transformaram em "cartão postal" na produção recorde (123,2 milhões de toneladas) da safra 2002/03, não se formaram. Também não houve no porto de Rio Grande (RS) problemas para a entrada de navios em busca de soja, que no passado recente colaboraram para elevar os custos nacionais com "demourrage" (multas de sobre estadias de navios à espera para carregar) para cerca de US$ 1 bilhão na temporada 2003/04. Mas, conforme analistas, executivos e empresários consultados pelo Valor, persistem gargalos nos portos e as condições das estradas, no Mato Grosso em especial, deixam muito a desejar. "Ainda não foi encontrada uma maneira de permitir o escoamento de um volume maior de grãos. Não houve aumentos de capacidades. Este é um dos anos mais tranqüilos dos últimos tempos, mas porque há pouca soja", afirma José Luiz Glaser, diretor do Complexo Soja da americana Cargill no Brasil. Segundo o último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a colheita brasileira em 2004/05 deverá resultar em 50,2 milhões de toneladas, acima de 2003/04 (49,8 milhões) mas abaixo da previsão inicial do próprio órgão (até 60,8 milhões). No caso do milho, a safra atual deverá render 36 milhões de toneladas no total, ante as 42,9 milhões estimadas inicialmente e as 42,1 milhões de 2003/04. Com as duas quebras, a safra brasileira total, plantada para gerar cerca de 130 milhões de toneladas (119,1 milhões em 2003/04), passou a ser projetada em 113,7 milhões. O fato de a quebra ter sido concentrada no Sul - no Mato Grosso, por exemplo, a safra de soja é recorde - também colaborou para mitigar problemas com o escoamento de grão transgênico, cuja produção é concentrada no Rio Grande do Sul. O processo de fiscalização desse tipo de carga, conforme fontes do setor, é outro fator que ajuda a travar operações em determinados casos. Nos portos, afirmam, as principais inovações continuam sendo realizadas por empresas privadas. É o caso da Cargill, que mantém dois terminais em Santos mas que elevou substancialmente a aposta em saídas pelo Norte do país. Dois novos terminais na região - Santarém (PA), da própria Cargill, e Itacoatiara (AM), que recebeu investimentos do Grupo Maggi, tiraram cerca de 2 milhões de toneladas que originalmente eram escoadas pelo Sul. "Santarém é um relógio. Fizemos 160 mil toneladas em abril", afirma o executivo. As administrações dos portos, porém, afirmam que estão promovendo melhorias e anunciam novos projetos. A Codesp, que administra o porto de Santos, informa que o projeto de construção das avenidas perimetrais, ainda que simplificado por conta de impasses ambientais, deverá começar a sair do papel já neste mês, com o lançamento do editar para a construção de uma avenida, em um projeto total de US$ 125 milhões. Além disso, está prevista a construção de um centro integrado de logística, com um estacionamento para até 4 mil caminhões - o fluxo diário no porto paulista chega a 6 mil - e instalações para a hospedagem de motoristas. "Santos vem ganhando produtividade, mas sem dúvida com grande influência da estrutura privada disponível", diz uma fonte ligada à Codesp. Entre outros projetos que desenvolvidos por grupos privados no local está o terminal graneleiro de Bunge, Maggi e Ferronorte, que enfrentou problemas ambientais mas cujas obras já começaram há cerca de um mês. Tal projeto está orçado em US$ 165 milhões. De janeiro a abril deste ano, o volume de soja em grão exportado pelo porto caiu 17,85%, em parte por conta da quebra da produção, em parte devido aos "desvios" pelo Norte. Em Paranaguá, o volume do grão também recuou. De janeiro a 30 de maio, foram embarcadas pelo porto paranaense 2,345 milhões de toneladas, 543 mil toneladas a menos que em igual período de 2004. Mas a exportação de farelo aumentou na mesma comparação, de 2,08 milhões para 2,17 milhões de toneladas. E, segundo o governo do Estado, não há ociosidade. As conhecidas fila no porto paranaense, de acordo com informações já publicadas pelo Valor, foram combatidas com a proibição de entrada de caminhões com cargas para navios não nomeados - ou seja, sem embarque garantido. Jacyr Bonjiolo, presidente do Grupo Maggi, que comemora o início do projeto do terminal de grãos em Santos, reclama da situação das estradas federais. O grupo pertence à família do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, mas ele garante que, independentemente disso, as rodovias estaduais estão em melhor estado. Segundo Seneri Paludo, analista da Agência Rural em Cuiabá, diz que a coleção de buracos nas estradas mato-grossenses influencia nos preços dos fretes para o transporte de soja. "No pico da safra, o frete de Sorriso [MT] a Paranaguá chegou a R$ 210 por tonelada. Com a valorização do real diante do dólar, o custo ficou pesado, uma vez que o mercado de soja é balizado pela moeda americana". Tendo em vista essa situação, muitas agroindústrias ampliam a aposta no transporte ferroviário. É o caso da Caramuru Alimentos, já vem comprando locomotivas e vagões, já transporta 80% de seus produtos até o porto de Santos por trilhos e planeja elevar o percentual para 100% no ano que vem.