Título: Rebelião da base aliada emperra votações
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2004, Política, p. A-7

Aumentaram ontem as dificuldades de articulação para que seja votada em novembro a proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a reeleição dos presidentes da Câmara, João Paulo Cunha, e do Senado, José Sarney. Um protesto generalizado da base aliada - por razões distintas - impediu a continuidade das votações de medidas provisórias no plenário da Câmara ontem. Até o fechamento desta edição, os governistas ainda tentavam votar a primeira MP da pauta. Somente a partir de 9 de novembro é que o Legislativo deve retomar efetivamente os trabalhos. Com uma inércia que se estenderá por quase três meses, a decisão de convocar extraordinariamente o Congresso nos meses de dezembro e janeiro de 2005 - e neste período concluir a votação da PEC - torna-se ainda mais insustentável politicamente, apesar de não ser impossível, segundo os próprios parlamentares. O mais grave, na avaliação de governistas, é que não há a menor perspectiva de votação do Orçamento Geral da União. O funcionamento do Executivo fica comprometido com a paralisia do Congresso. De acordo com levantamento feito por técnicos do PMDB, ao qual o Valor teve acesso, 66 créditos suplementares, que totalizam R$ 20.558.552,934, aguardam votação na Comissão Mista de Orçamento e, em seguida, em sessão do Congresso. São recursos para investimentos, projetos em curso, custeio e manutenção de diversos ministérios. A insatisfação da base ficou clara desde terça-feira. Ontem, o PPS comunicou à liderança do governo que estava em obstrução (processo pelo qual os parlamentares não registram presença). A razão principal: mágoa eleitoral e embate com o PT no segundo turno. Em seguida, foi a vez de o PMDB obstruir. Em primeiro lugar, porque a obstrução é uma forma de barrar a votação da PEC da reeleição, atrasando ainda mais a apreciação das medidas provisórias. O segundo motivo do PMDB é orçamentário. A pesquisa técnica encomendada pela liderança do PMDB mostra que é praticamente impossível o governo executar (ou seja, liberar de fato o dinheiro) das emendas parlamentares individuais e de bancada. Como a expectativa do Ministério do Planejamento é de gastar 1,4% do PIB até o fim do ano, o que equivale aproximadamente a R$ 21,5 bilhões, não sobrariam recursos para as emendas. A conclusão dos pemedebistas foi tirada exatamente pelo volume de créditos suplementares, que somam R$ 20,5 bilhões. A lógica mostra que essa é a liberação prioritária do governo. Estariam pendentes a execução de R$ 800 milhões em emendas individuais e R$ 3,5 bilhões em emendas parlamentares de bancada. O PMDB, para completar, vive uma crise de identidade. Durante almoço ontem em Brasília, o presidente da legenda, Michel Temer (SP), admitiu que é preciso encontrar um rumo político para o partido. Além de reunir os presidentes dos diretórios regionais em Brasília no dia 10 de novembro, a direção do PMDB marcou um megaencontro de prefeitos na capital. Os pemedebistas querem mostrar força política no arco de sustentação do governo, pleiteando inclusive a Vice-Presidência numa reeleição de Lula. A rebelião da base aliada não parou por ai. Num dia tenso, PSB, PC do B, PPS, PV e PDT anunciaram que, a partir de agora, vão atuar em conjunto na Câmara. A frente parlamentar, com 69 deputados, avisa que quer discussões mais aprofundadas e ideológicas de projetos e medidas provisórias. Os primeiros embates da "base ideológica" serão a MP 201, que trata de benefícios previdenciários parcelados em oito anos, e a MP 207, que confere ao presidente do Banco Central o "status" de ministro de Estado. Do outro lado, a base batizada de "fisiológica" - o PTB, PP e PL -, anda com "listinha" na mão mostrando ao governo a quantidade de emendas não liberadas.