Título: Inflação declinante?
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2005, Brasil, p. A2

Antes que o Banco Central declare vencida a batalha contra as expectativas inflacionárias e comemore a vitória, talvez seja interessante recordar o que nos aconteceu no primeiro mandato de FHC quando, com a taxa de câmbio "livremente estabelecida pelos juros reais mais altos do mundo", ele entregou à nação a sua conquista: o desastre cambial de 1998 que colocou o Brasil numa situação de "default". Este só não se concretizou graças ao formidável auxílio do FMI com o maior "pacote de socorro emergencial" até então concedido pela instituição a qualquer país. Ao longo dos quatro anos, nossas exportações cresceram à taxa ridícula de 3,2% ao ano. Chegamos a 1998 com formidável vulnerabilidade externa. O crescimento do PIB naquele ano foi de apenas 0,1%, mas em "compensação", como se vangloriavam as autoridades monetárias, a taxa de inflação anual, medida pelo IPCA, foi de apenas 1,7%, "coisa de país civilizado"! O pequeno senão é que a taxa de desemprego era da ordem de 11% na região metropolitana de São Paulo e o endividamento, insustentável, algo obviamente incompatível com a continuidade da civilização... O gráfico abaixo revela o IPCA acumulado de 12 meses desde julho de 1995 até maio de 2005. Vemos, claramente, a existência de duas tendências: 1) do início do Plano Real até dezembro de 1998, enquanto o câmbio foi valorizado pelas absurdas taxas de juros reais, a inflação declinou continuamente; e 2) de dezembro de 1998 até maio de 2005, quando a inflação praticamente não caiu. O que mais se vê? A estabilidade da taxa de inflação medida no período de 12 meses até outubro de 2002, quando se acirrou a disputa sucessória. Ela chegou a 17% no primeiro trimestre de 2003 e parecia fora de controle. A enérgica ação do Banco Central e o aumento do superávit primário, iniciados no primeiro mês do governo Lula, trouxeram a taxa de inflação, já em dezembro de 2003, para o mesmo patamar anterior (em torno de 7,2% ao ano).

É preciso reduzir a inflação sem truques

Em janeiro de 1999, o mercado impôs ao país a liberação da taxa cambial. O seu efeito sobre a inflação pode ser medido pela diferença entre aquela média e a inflação "artificial" de 1,7% de 1998. Em 1999 a situação começou a melhorar. O PIB cresceu 4,4% em 2000, com uma taxa de inflação de 6% (a única vez em que se atingiu a "meta") e as exportações começaram a dar sinal de vida, crescendo 15% entre 1999 e 2000. A resposta das exportações à liberdade cambial tardou: só em 2003, já no governo Lula, elas se expandiram. Enquanto entre 1995 e 2002 as exportações cresceram 3,8% ao ano, entre 2002 e 2004 aumentaram 26,3% ao ano, taxa comparável com a dos nossos competidores (China, Coréia). A "boa nova" que vivemos agora, contida na redução do crescimento do índice de atacado (IPA-DI), é resultado do desastre cambial produzido pela incrível taxa de juro real que infelicita a economia brasileira. Com o canal do crédito entupido por conta da ampliação produzida por mudanças institucionais, restou ao Banco Central uma insensata política de juros que tornou o real a moeda mais valorizada do mundo diante do dólar. O gráfico abaixo revela a variação anual do IPA-DI e sua estimação através dele mesmo e da taxa de câmbio nominal, defasados, ambos, duas vezes. O IPA-DI e o câmbio são, em larga medida, variáveis xifópagas. A taxa de câmbio voltará ao seu equilíbrio quando as taxas de juros reais forem civilizadas. Ela, então, pressionará o IPA e haverá uma elevação do IPCA, mostrando a inutilidade da valorização do real como instrumento de combate à inflação. O Brasil precisa de um novo esforço fiscal e um novo ímpeto na política de concorrência para que seja possível trazer a inflação para baixo sem os truques que costumam custar muito caro. A atual combinação de política fiscal e monetária é bananeira que já deu cacho...