Título: Banco suíço não teme lei contra evasão fiscal
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2005, Finanças, p. C8

Europa Nova legislação quer descobrir e cobrar imposto sobre juros ganhos de bilhões de dólares depositados

O banqueiro suíço Jacques Rossier, da velha aristocracia de bancos privados de Genebra que há mais de 200 anos faz gestão de fortunas estrangeiras, não demonstra preocupação às vésperas do mais pesado ataque contra evasão fiscal na Europa. Trata-se de uma lei da União Européia (EU) que entrará em vigor dentro de duas semanas (1º de julho), para descobrir e cobrar imposto sobre juros ganhos de bilhões de dólares depositados por cidadãos europeus fora de seus países de origem. Na Suíça, que está fora da EU, evasão fiscal não é crime, atraindo para os cofres helvéticos poupança de milhares de europeus fugindo do fisco. Mas o país teve de se submeter a um acordo bilateral para também aplicar a lei de Bruxelas, numa pressão adicional sobre seu segredo bancário. No entanto, Rossier, sócio do banco Lombard Odier Darier Hentsch e Cia, com US$ 100 bilhões sob gestão, comentou enquanto degustava um "excelente" vinho Bordeaux: ´´Os computadores estão preparados para aplicar a lei, mas tenho dúvidas sobre os efeitos práticos´´. Também para o presidente da Associação de Bancos Suíços, Urs Roth, muitos investidores estão transferindo seu dinheiro para outras aplicações fora da cobertura da lei européia. ´´Não é tricherie (enganar), mas essa lei está com furos provocados voluntariamente pela Grã-Bretanha para proteger os interesses de sua praça financeira´´, alegou Jacques Rossier. A "UE Saving Tax Directive´´ é resultado de dez anos de negociações. Os bancos de 22 dos 25 países-membros da UE devem informar sobre os pagamentos de juros que fazem a residentes de outros países europeus, diretamente ao Fisco, de seus cliente. Os governos então não só passam a rastrear o dinheiro fora como a cobrar taxa localmente. A Austrália, Bélgica e Luxemburgo, para preservar seu segredo bancário, terão outra opção: se o cliente prefere não ter a informação sobre sua conta transmitida ao governo de seu país, é submetido a retenção na fonte de 15%. A taxa aumentará para 20% em julho de 2008 e para 35% em julho de 2011. Esses três países insistiram, e conseguiram com apoio da Grã-Bretanha, que outros paraísos fiscais introduzissem taxação equivalente para evitar desvantagem competitiva para seus bancos. Sob pressão, Suíça, Andorra, Liechstenstein, Mônaco e San Marino, além de territórios ditos dependentes (ilhas do Canal, Antilhas Holandesas, Cayman), vão fazer o mesmo. Mas a taxação será apenas sobre juros de poupança e bônus, e só vigora para pessoas físicas. Ficam de fora companhias e ganhos derivados de outros ativos, como ações, derivativos etc. Do dinheiro coletado, 75% vão para o país de residência do investidores, sem informação sobre o detentor, e os 25% restantes ficam no país do banco. As atenções estão voltadas para o resultado da lei na Suíça, pelo peso de sua praça financeira. Basta ver que os bancos helvéticos tem sob gestão cerca de 4 trilhões de francos suíços (US$ 3,1 trilhões), sendo metade de suíços e a outra metade de estrangeiros, segundo Jacques Rossier. Significa que a Suíça administra por volta de US$ 1,6 trilhão de fortunas privadas estrangeiras. E desses, ´´60% são europeus´´, pelos cálculos do banqueiro genebrino. Analistas calculam que 75% dos estrangeiros não declaram esse dinheiro a suas autoridades fiscais. O governo alemão alega de ? 300 bilhões e 500 bilhões dos alemães estariam depositados no exterior. Por isso, junto com a França, principalmente, espera boa arrecadação adicional com a taxação da evasão fiscal. Mas banqueiros suíços dizem que pode haver decepções. Primeiro, porque a taxa de juros está num nível historicamente baixo, o que diminui enormemente o potencial de coleta. Na Suíça, o juro sobre a poupança é de 0,5% ao ano. É sobre 0,5% que será aplicado 15% de taxa. Segundo, tem as brechas na lei. Segundo Rossier, uma das opções para instituições financeiras é oferecer um instrumento legal para os mais ricos para evitar a taxação. ´´Basta criar uma empresa. É só pagar US$ 3 mil para abrir a companhia, mais US$ 2 mil por ano e está feito´´, explicou. "Os grandes vão se proteger, os pequenos é que vão pagar." Para analistas, todo mundo na verdade está usando as brechas, não só bancos suíços. Além disso, dizem alguns, clientes dentro da EU estão mudando suas contas para outros paraísos recentes como Cingapura. Rossier faz uma fina distinção entre fraude e evasão fiscal. Fraude, segundo ele, é se a pessoa deu uma nota falsa para receber uma soma maior. Mas se apenas ´´esqueceu´´ de declarar o dinheiro e depois o depositou em bancos helvéticos, é evasão e aí não é crime pela lei local. No primeiro caso, o governo suíço quebra o segredo bancário. No segundo, nem pensar. O banqueiro acusa hipocrisias nesse debate: ´´Na Suíça, não há mais evasão do que em outros lugares. Na Alemanha, o trabalho no negro é o mais elevado da Europa. Os ingleses sabem utilizar todas as possibilidades para não pagar imposto. Na França, 20 mil ricos fogem por ano para Bélgica ou Inglaterra por causa das taxas. Quem tem de cuidar disso são os governos deles, não a Suíça´´. Segundo ele, ´´a Suíça já há muito tempo não é mais um lixeira para os fundos indesejáveis do planeta. Sua legislação é estrita. Hoje o segredo bancário está mais ligado a confidencialidade do que a defesa do dinheiro resultante da evasão fiscal´´. Exemplifica com o dinheiro proveniente do Oriente Médio. ´´Os bilionários do Golfo não vêm para fugir do Fisco´´. Estudo do Deutsche Bank, assinado por Werner Becker, acha que a lei européia, além de não render os frutos esperados, tornará a taxação na Europa mais complexa. Isso tudo no rastro de uma anistia fiscal fracassada na Alemanha. Até agora, a renda coletada por essa anistia foi de apenas ? 1,2 bilhão, segundo Becker, bem longe dos bilhões de euros imaginados pelo governo. A razão é simples: poucos querem submeter seu dinheiro à taxação na Alemanha de 43%. Já a anistia fiscal na Itália repatriou muito dinheiro dos bancos suíços. ´´Perdemos 10% de nossos clientes italianos´´, calcula Rossier. Ele insinua que o caminho tomado por Silvio Berlusconi pode na verdade ser a maneira de evitar evasão fiscal. ´´Berlusconi reduziu imposto sobre a fortuna, sobre herança, e criou um pequeno paraíso fiscal na Itália´´, completou.