Título: É sempre importante dirigir um carro olhando para frente
Autor: Fabio Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2005, EU &, p. D2

Ultimamente, ouvimos no Brasil comentários típicos de análises malfeitas. Sempre que o Índice Bovespa acumula valorizações ou desvalorizações relevantes, surgem comentários sobre a possibilidade, ou não, da bolsa brasileira estar excessivamente valorizada ou "barata". O que é subir demais? Teoricamente, para dizer que "a bolsa" subiu muito seria necessário considerar que a maioria das ações negociadas - que hoje representam cerca de 359 empresas - está com suas cotações próximas ou superiores ao seu "preço justo", seu valor intrínseco. Quem tem condição de fazer esta avaliação? Em primeiro lugar precisamos atentar que, quando ouvimos que a bolsa subiu ou caiu em certo período, o assunto em questão é o "Índice Bovespa". Ele é um indicador que reflete o comportamento apenas das 55 ações que o compõem e, pela ponderação do índice, apenas 20 destas ações respondem por cerca de 75% do seu efetivo comportamento. Assim, é importante entender que quando olhamos o movimento do Índice Bovespa estamos observando apenas pouco mais de 50 ações de um universo total de cerca de 359 empresas, com 734 ações entre as diferentes classes. O segundo ponto relevante vem da avaliação da valorização. O que significa subir demais? A princípio, parece lógico que estar sobrevalorizada significa que uma ação está acima do seu valor justo, correto, para aquele momento. Mas qual é o valor justo? Existem diversos métodos de avaliação de valor de uma empresa, como fluxo de caixa livre descontado, modelo de dividendos, avaliação de múltiplos, opções reais, Edwards-Bell-Ohlson, entre outros. Além disso, também podemos dizer que para cada avaliador existe uma avaliação, pois cada um traz para análise seus valores pessoais e suas visões sobre cada parâmetro; ou seja, se duas pessoas avaliarem a mesma empresa, são grandes as chances de encontrarem conclusões diferentes, e ambas "corretas". De qualquer maneira, é razoável afirmar que independente do modelo utilizado, e dos métodos do avaliador, a avaliação de uma companhia utiliza uma taxa de desconto, que é uma taxa de juros, de custo de capital, utilizada para determinar quanto vale pagar hoje pelos resultados futuros que a companhia irá gerar. Então vamos tentar discutir se a bolsa, aqui tratando de todo o conjunto de ações e não apenas o Ibovespa, está cara ou barata. De 1994 a 1999, a taxa de juros real média no Brasil foi de 22,5% ao ano. Hoje, está em cerca de 13% ao ano. Consideremos que o valor de uma companhia oscile de maneira inversamente proporcional a este número, em virtude da taxa de desconto que precisa ser utilizada para determinação do seu valor. Assim, falando de forma conceitual, é razoável pensar que se uma companhia tem hoje resultados anuais idênticos aos que tinha no período compreendido entre 1994 e 1999, hoje deveria valer 75% a mais em virtude da diferença do custo de capital. Mas atualmente os resultados da maior parte das companhias não são idênticos aos do período citado, são muito melhores. Em 2004, as companhias negociadas na Bovespa apresentaram um lucro líquido somado de cerca de R$ 84 bilhões, frente a R$ 33 bilhões em 2000 e R$ 15 bilhões em 1998, em moeda constante. Já o valor de mercado de todas as empresas da Bovespa é hoje cerca de R$ 850 bilhões frente a R$ 370 bilhões em 2000, e R$ 140 bilhões em 1998. Portanto podemos ver, e esta informação é valiosa para investidores de longo prazo, que nos últimos anos, independente de toda a volatilidade, a Bovespa teve uma valorização absolutamente em linha com a melhora dos resultados. Também vale considerar que até muito recentemente, em parte pelas seis moratórias de dívida aplicadas no Século XX pelo Brasil, as companhias não tinham acesso aos mercados internacionais. Assim, a avaliação de investimento em uma empresa brasileira também era diferente dos padrões mundiais, por uma questão de estrutura de capital e financiamento. Hoje elas têm acesso a um custo de capital muito mais baixo do que tinham no passado, o que afeta diretamente também a avaliação de seu valor, e sua capacidade de criação de valor. Analisar ações e índices apenas considerando valorizações ou desvalorizações recentes, e utilizar para tomar decisões de investimento afirmações do tipo "a bolsa subiu 100% em tanto tempo, então está sobrevalorizada" não faz sentido. Seria, como popularmente dito, o mesmo que dirigir um carro olhando apenas no retrovisor. O mercado exige seletividade para se fazer bons investimentos. As decisões precisam ser baseadas em fatos, dados e análises e não apenas em chutes. Usando dados e análises, podemos identificar diversas empresas no Brasil cujas ações representam atualmente ótimas oportunidades.