Título: Que venha a bonança tributária no Brasil
Autor: Eduardo Borges
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Não se sabe se o prenúncio de bonança vai se confirmar, mas pela primeira vez o contribuinte está ansioso por um bom motivo"

Depois da tempestade, sempre vem a bonança. Pelo menos no ditado. Mas, em matéria tributária, o ditado parecia não funcionar muito bem. Acostumados aos freqüentes aumentos da carga, os contribuintes só tinham a lamentar e a sonhar com a etérea bonança. Aumentos de alíquotas, de bases de cálculo, do número de contribuintes e mesmo do número de impostos, taxas, contribuições e outros bichos. A rotina sempre foi essa: um campeonato de aumentos tributários. Na categoria "aumento de alíquotas", subiram ao pódio o PIS e a Cofins, cujas alíquotas totais aumentaram de 3,65% para 9,25% sobre a receita (o que representa um acréscimo de mais de 150%), o ISS, que passou a ter alíquota mínima de 2%, e o IPTU, com suas alíquotas progressivas em função do valor dos imóveis. Na categoria "aumento de base de cálculo" venceram o PIS e a Cofins, que, a partir de 1999, passaram a incidir sobre o total das receitas das empresas, e não apenas sobre o faturamento resultante da venda de mercadorias e da prestação de serviços, como ocorria antes. Também ganhou medalha a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos prestadores de serviços, cuja base presumida subiu de 12% para 32%. Na categoria "aumento do número de contribuintes", o campeão foi o ISS, que desde 2004 passou a incidir sobre praticamente o dobro do número de serviços que incidia até então, resultando em uma considerável ampliação do universo de contribuintes. Sem falar no número de contribuintes que passaram a ter que se preocupar com a retenção na fonte dos mais diversos tipos de tributos, como PIS, Cofins e CSLL sobre os serviços tomados, além da contribuição previdenciária de 11% sobre a cessão de mão-de-obra. Finalmente, na categoria "tributos novos", surgiram as famigeradas Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cides): a Cide-Combustíveis, a Cide-Remessas ao Exterior e a Condecine, além das sem-personalidade-definida contribuições ao Fust e ao Funttel, dentre outras. Também surgiu a CPMF - cujo "P" de provisório está mais para permanente - e a Contribuição sobre a Iluminação Pública (CIP), em substituição à Taxa de Iluminação Pública (TIP) que havia sido julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e, finalmente, o PIS-Importação e a Cofins-Importação. Siglas e mais siglas. E nada de bonança. Mas, agora, parece que o vento começou a soprar em outra direção. Recentemente, foi publicada a Lei nº 11.116/05, que, para a surpresa dos contribuintes, autorizou a compensação do saldo credor do PIS e da Cofins com outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal: IR, CSLL, IPI e IOF, dentre outros. Essa medida beneficia os contribuintes que efetuam vendas de produtos com suspensão, isenção, alíquota zero ou não-incidência do PIS e da Cofins e que, até então, estavam acostumados a acumular créditos destas contribuições. O acúmulo vinha ocorrendo porque os créditos de PIS e Cofins somente podiam ser utilizados para compensar débitos de PIS e Cofins, mas a maioria das empresas beneficiadas com as desonerações acima não possuíam ou tinham débitos insignificantes de tais contribuições. Com a nova lei, o crédito ganha uma nova utilidade, transformando-se em moeda de pagamento de outros tributos, o que diminui o peso dos tributos para o contribuinte.

Se as regras forem criadas, representarão um avanço em termos de desoneração tributária da produção no país

Além disso, passaram a ser soprados aos quatro ventos alguns codinomes alentadores, como o "Pacote do Bem", "MP do Bem" e "Outono Tributário". Vejamos do que se tratam. A MP (ou pacote) do Bem - ainda não oficializada mas já bastante alardeada - consiste em um conjunto de medidas do governo federal que desonera, especialmente, os investimentos produtivos destinados à exportação. Em princípio, seriam sete medidas: 1) suspensão, por cinco anos, da cobrança de PIS e Cofins em relação aos investimentos novos das empresas cujas vendas ao exterior corresponderem a pelo menos 80% do total do faturamento; 2) suspensão, por cinco anos, da cobrança de PIS e Cofins na aquisição de bens e serviços adquiridos, no mercado interno ou externo, por empresas exportadoras de tecnologia - a chamada "Plataforma de Exportação Tecnológica"; 3) alteração da regra de concessão de incentivos fiscais para a inovação tecnológica, que passa a ser automática com verificação em momento posterior; 4) prorrogação, por um ano, do benefício da depreciação acelerada de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos para fins de apuração da CSLL; 5) criação do programa "PC Conectado", que isenta de PIS e Cofins, por quatro anos, a venda de computadores com valores de até R$ 2,5 mil ao consumidor final; 6) limitação a 7% da incidência de IR, CSLL, PIS e Cofins sobre o patrimônio de afetação das construtoras (espécie de contabilidade separada por unidade imobiliária); e 7) autorização para as incorporadoras apurarem o PIS e a Cofins com base no regime cumulativo, no qual a alíquota total é de 3,65%, ao invés de 9,25%. Caso essas regras venham realmente a ser criadas e convertidas em lei, representarão um significativo avanço em termos de desoneração tributária da atividade produtiva no país. Já o "Outono Tributário" é uma iniciativa do governo Alckmin (tomada por meio de decretos e projetos de lei) que, dentre outras medidas, desonera os investimentos produtivos reduzindo a alíquota do ICMS (de 25% para 15%) para as empresas de call center, isentando do ICMS a comercialização de trigo e derivados, assim como as importações de equipamentos destinados à modernização dos portos paulistas. Também foi recentemente disciplinado pela administração tributária um regime especial que permite a redução do acúmulo de créditos de ICMS pelos exportadores paulistas por meio do diferimento do imposto incidente na aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem de fornecedores estabelecidos em território paulista. Não se sabe se o prenúncio de bonança vai se confirmar, na medida em que algumas das medidas referidas acima ainda estão pendentes de concretização pelo Executivo ou de confirmação pelo Legislativo, mas, pela primeira vez, nos últimos tempos o contribuinte está ansioso por um bom motivo. Que venha a bonança!