Título: Emprego só cresce para baixos salários
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Saldo de 2,4 milhões de empregos no governo Lula camufla fim de 700 mil vagas acima de 3 mínimos

Três em cada quatro brasileiros que conseguiram um emprego com carteira assinada entre janeiro e março deste ano foram contratados por salários inferiores a R$ 360 - no máximo R$ 60 acima do salário mínimo atual. No mesmo período, 11 mil vagas foram fechadas para quem ganhava mais de R$ 2,6 mil, considerando o saldo entre admitidos e demitidos nessa faixa salarial. Os dados sobre contratação por faixa de rendimento do Cadastro Geral de Desempregados e Empregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), seguem nessa toada desde o início do governo Lula. De janeiro de 2003 a março de 2005, 67% de um saldo de 2,460 milhões de vagas foram para salários entre 1 e 1,5 salário mínimo. Nos mesmos 27 meses de governo Lula, foram fechadas 694,4 mil vagas com remuneração superior a três salários mínimos. Os números ajudam a explicar porque a recuperação do mercado de trabalho ainda não surtiu efeito expressivo sobre os rendimentos. O saldo entre admissões e demissões (situação que é tratada pelo próprio ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, como a criação de empregos em determinado período) mostra que a ocupação cresce apenas entre os baixos salários. O resultado é o crescimento do rendimento em ritmo mais ameno do que o do emprego, considerando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos 12 meses terminados em abril, o rendimento subiu só 0,83%, enquanto o número de pessoas ocupadas avançou 3,32%. Assim, a massa salarial, impulsionada pela ocupação, ficou 4,2% maior. Cimar Azeredo, gerente da pesquisa mensal de emprego do IBGE, afirma que a situação atual da renda é bastante desconfortável e reflete a composição da ocupação. "Tudo indicava que a taxa de desemprego iria cair em abril, mas ela ficou estável", diz. O que preocupa Azeredo é a perspectiva de repetição do movimento de transferência de emprego entre os setores que ocorreu em abril. Naquele mês, a indústria perdeu cerca de 100 mil vagas, enquanto o comércio contratou mais 56 mil pessoas e os serviços domésticos mais 51 mil trabalhadores. Essa troca tem grande influência sobre a renda, pois o rendimento médio recebido na indústria está hoje em R$ 985, mas quem trabalha no comércio ganha cerca de R$ 783 mensais e os empregados domésticos recebem, em média, apenas R$ 325. Na análise do gerente do IBGE, "a renda já estava patinando, mas a continuidade de um cenário de juros altos e a recente queda dos investimentos fazem com que se perca a expectativa de melhora do rendimento em 2005". Azeredo explica que, na dinâmica do mercado de trabalho, é natural que a recuperação da renda ocorra em defasagem à da queda do desemprego. Primeiro crescem as vagas para os menores salários, depois aumenta a ocupação para os mais qualificados. "E se ela já estava demorando a crescer de forma sustentada, agora a situação piora, pois demos um passo para trás." A evolução da renda em abril também não deu sinais de melhora e aponta para um cenário pouco animador no futuro. Nos primeiros quatro meses do ano, a massa salarial - produto do números de ocupados e do rendimento médio real - cresceu apenas 0,91% sobre o final de 2004, segundo cálculos da LCA Consultores, com base nos dados do IBGE. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) também vê um cenário mais difícil para a recuperação dos salários neste ano. José Silvestre Prado de Oliveira, supervisor técnico da entidade em São Paulo, ressalta que as negociações para reajuste salarial tendem a ser mais complicadas, pois há uma expectativa de crescimento da economia menor do que o visto em 2004 e uma inflação acumulada em 12 meses mais alta neste início de ano. Além disso, a taxa de rotatividade no mercado de trabalho brasileiro continua alta. "Só iremos ter uma recomposição mais forte dos salários quando o emprego crescer com alguma sustentabilidade", argumenta Oliveira. Segundo ele, a tendência no curto prazo é que a massa salarial fique estável ou até mesmo se retraia. "Mais gente entra no mercado de trabalho, mas com salários menores. Ao mesmo tempo, as empresas demitem os funcionários que ganham mais." O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, ainda está otimista com o cenário de emprego, mas concorda que sua composição neste ano será pior para a evolução do rendimento do que aquela verificada em 2004. Isso porque os ramos que pagam os melhores salários e os ligados à exportação, por exemplo, diminuíram o ritmo de contratações ou até demitiram. A indústria de material de transporte (veículos automotores) ampliou seu estoque de mão-de-obra formal em 1,25% entre março e abril de 2004, e apenas 0,39% em 2005 no mesmo período. Dentro dos bens de capital, o ramo de máquinas e equipamentos agrícolas também teve o ritmo bastante reduzido. Enquanto em abril de 2004 o setor contratou 103 trabalhadores, no mesmo mês deste ano foram fechadas 920 vagas. A indústria de calçados, bastante afetada pela valorização do câmbio, foi o único setor a apresentar retração no emprego (-0,22%). Por outro lado, os setores industriais que continuam contratando são bastante intensivos em mão-de-obra, mas pagam salários menores. Um bom exemplo são as indústrias de alimentos. O comércio e os serviços também estão abrindo vagas, só que são os que pagam os menores salários. "Tudo isso faz com que o rendimento médio cresça menos", diz Romão. Os números da Confederação Nacional da Indústria (CNI) também indicam que a indústria está empregando mais, porém, em setores que remuneram menos e que são mais intensivos em trabalho, explica Romão, da LCA. O emprego industrial cresceu 0,49% entre março e abril, já descontados os efeitos sazonais, mas a massa salarial caiu 0,1%, o que indica retração no rendimento médio real. Ainda assim, o economista mantém sua expectativa de crescimento de 5,1% na massa salarial ao longo do ano, apostando que o número de ocupados vai crescer e que a renda deve sair do atual quadro de "compasso de espera". Para essa alta na massa de salários, a ocupação deve avançar 3% em 2005, enquanto que a projeção para o rendimento médio real é de aumento de 2,1%.