Título: Ministro português esperava mais
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2004, Especial, p. A-12

O futuro presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, deu seu apoio total à reunião ministerial União Européia-Mercosul, ontem em Lisboa, na expectativa de ter o terreno desbloqueado para fechar rapidamente o acordo de livre comércio birregional. Foi o que disse ao Valor o ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, Antonio Monteiro, ontem, poucas horas antes da reunião crucial na capital portuguesa. Ex-auxiliar de Durão Barroso e amigo do ministro Celso Amorim quando ambos eram embaixadores nas Nações Unidas, em Nova York, Monteiro acredita que o acordo birregional tem chances de ser concluído até o final de marco do ano que vem. "Podemos ter nessas negociações o retorno as melhores ofertas já feitas pela União Européia e pelo Mercosul com alguma coisa a mais." O ministro não escondia sua expectativa positiva, ontem em seu gabinete no Palácio das Necessidades, sede do ministério e antigo Convento da Nossa Senhora das Necessidades, último ponto avistado por quem partia para o descobrimento. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor. Valor: Por que Portugal tomou essa iniciativa? Antonio Monteiro Portugal e Espanha são percebidos como linha da frente na União Européia favoráveis ao acordo com o Mercosul. Em setembro, quando estivemos no Brasil, verifiquei que o estado da negociação era ruim porque havia quase um bloqueio com as ofertas de cada lado. Se não se fizesse nada, corriam-se dois riscos: um, de deixar por demasiado tempo a negociação bloqueada sem qualquer tentativa de se concluir o acordo até o final de outubro. E segundo, que se sobrecarregasse muito a nova Comissão Européia. No fundo, a negociação bloqueada poderia obrigar a nova Comissão a recomeçar tudo de novo. Falei com o ministro Amorim e com o comissário Pascal Lamy. Percebi que havia disposição para romper esse obstáculo. O que faltava era um facilitador. Eu disse que Portugal estava a disposição, mas que nisso (a negociação birregional) não pode haver bloqueio. É um assunto muito importante. Valor: Como o senhor acha que a negociação evoluirá? Monteiro A perspectiva realista não é de se assinar o acordo já no dia 31 (deste mês). Mas podemos ter nessas negociações o retorno às melhores ofertas já feitas pela União Européia e pelo Mercosul com alguma coisa a mais. É conseguir um "maio plus", melhor que as ofertas de maio. Se tivermos a base política para avançarmos, então sim, a nova Comissão Européia vai continuar com o impulso positivo e concluir a negociarão rapidamente. É importante e possível criar o ambiente político para avançarmos. Mas também é complicado. Os Estados-membros estão preocupados. E as preocupações não são idênticas. Valor: Ou seja, o importante é não deixar vácuos na negociação? Monteiro Exato. Falei com o futuro presidente da Comissão Européia no domingo e obtive o beneplácito para que a negociação possa avançar agora e a nova Comissão dar continuidade e ser concluída rapidamente. Valor: Qual sua expectativa sobre o prazo para a conclusão do acordo? Monteiro Penso que talvez já no final do primeiro trimestre do ano que vem. A negociação deve e pode ser concluída rapidamente. Mas reconhecemos que o calendário eventual deve ser realista. Em todo caso, não se pode exigir do novo presidente da Comissão que faça logo o que não foi possível em cinco anos. Se os dois blocos estão convencidos da extrema importância do acordo, não há porque arrastar os pés. Valor: A Europa quer concluir o acordo UE-Mercosul antes da Alca? Monteiro Eu acho que é importante. Nossa negociação está avançada e podemos manter esse avanço. Esse acordo é importante inclusive para estimular a própria integração do Mercosul. É o que pode se passar também com Portugal e o Brasil. Nunca tivemos uma relação econômica bilateral tão grande como agora. Com exceção do período do ouro do Brasil, que ia parar na Inglaterra e nem parava em nossos portos, como dizia o Marques de Pombal. Mas nossas trocas comerciais são muito poucas. Temos que criar comércio. Portugal conhece mais o Brasil do que o contrário. Queremos que a porta seja escancarada nas relações Brasil-Portugal. Valor: Algumas empresas portuguesas, contudo, reclamam de obstáculos no Brasil. Monteiro Os obstáculos enfrentados pela Cimpor, que tem problemas em regularizar uma mina de calcário na fronteira com o Uruguai, e por Águas de Portugal, que tem dificuldades para continuar com investimentos de saneamento em Búzios, são reais. Mas são ultrapassáveis. Já sabemos como resolvê-los, de um lado e de outro. Agora, muitas vezes, se identifica o obstáculo, como saltar esse obstáculo, e depois se fica à espera de que o cavalo realmente dê o salto.