Título: Negociação entre UE e Mercosul fracassa
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2004, Especial, p. A-12

Depois de seis horas de intensas negociações ontem em Lisboa, a União Européia e o Mercosul constataram, mais uma vez, que as flexibilidades colocadas na mesa não foram suficientes para chegar a um acordo até o final deste mês. Mas os dois blocos tomaram a decisão política de continuar negociando. Está prevista uma reunião ministerial para o primeiro trimestre de 2005, mas não há mais data para a conclusão de um acordo. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que "ninguém se arriscou a dizer em que prazo as negociações poderiam terminar". Tanto Amorim como o comissário europeu de comércio, Pascal Lamy, destacaram que houve um progresso ontem pelo simples fato de terem se reunido. "A questão aqui era parar a negociação ou continuar. A primeira era mais simples. Mas decidimos continuar, porque os dois lados têm interesse estratégico na negociação", disse Lamy. Indagado se a partir de agora a negociação voltará ao paralelismo com a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Amorim respondeu bruscamente: "Não sei, não estou negociando Alca aqui, eles não são membros da Alca". Os europeus indicaram que tinham margem de flexibilidade sobre o tamanho das cotas agrícolas, com aumento dessas cotas, redução do prazo de escalonamento e sua administração, na linha com os pedidos do Mercosul. O detalhe, porém, é que não disseram em nenhum momento como isso poderia ocorrer, frustrando o bloco. Por sua vez, o Mercosul deu "esclarecimentos" sobre vários pontos, incluindo serviços financeiros. Para Amorim, a reunião foi importante para mostrar que há condições de avançar em vários pontos onde até agora havia bloqueio. Que não haveria acordo final em Lisboa era uma evidência. Mas a retomada das negociações terá como base justamente as ofertas que os dois lados rejeitaram em setembro. Havia a expectativa entre vários negociadores de pelo menos acertar a retomada pelo patamar das ofertas melhoradas de maio. Mas diante do desacordo sobre o nível de ambição dos dois lados, resta agora, na definição de Amorim, "o patamar mental" incorporando flexibilidades sugeridas ontem em Lisboa. Para Lamy, porém, o que vale é o que está no papel. A negociação ocorreu no Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. A sala reservada à delegação do Mercosul foi, simbolicamente, a sala de espera para visitantes. Na primeira parte da reunião, só participaram os comissários Pascal Lamy e Franz Fischler e os chefes das delegações do Cone Sul. Foi neste ponto que se constatou que não dava para chegar a um acordo, mesmo mínimo. E foi retirada da valise a declaração esboçada previamente pelos dois blocos. A declaração ministerial destaca a importância estratégica para os dois lados da negociação, que estão convencidos da necessidade de continuá-la. Nesse contexto, acertaram um encontro de coordenadores antes do fim deste ano, para preparar a reunião ministerial do primeiro trimestre de 2005. "É claro que precisaremos de muito trabalho e ter mais flexibilidades", disse Amorim, que falou pelo Mercosul numa entrevista coletiva às 23 horas locais. Amorim insistiu que o Mercosul falou como voz unida. Mas o setor automotivo indicava no mesmo momento que prevalecia o impasse dentro do bloco, porque os argentinos queriam dar cotas segmentadas (automóveis, caminhões etc) para os europeus, o que feria as estratégias de operação dos fabricantes brasileiros. Para negociadores brasileiros, não haverá prejuízo na falta de acordo, considerando a oferta atual dos europeus. Exemplo: as exportações de carne bovina brasileira para a UE cresceram 13% ao ano nos últimos cinco anos. Assim, não havia interesse em fazer um entendimento que limitasse o crescimento das vendas e que, na prática, não garantia a preferência que se espera de um acordo de livre comércio.