Título: Lei eleitoral não pode abrir mão de agilidade para punir
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2005, Opinião, p. A10
No momento em que a crise política coloca na mesa a discussão de uma reforma político-partidária como uma alternativa para depurar o sistema político, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado se prepara para votar um projeto de lei do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) que altera o artigo 41A da lei eleitoral. A CCJ pode decidir em caráter terminativo, isto é, se não houver oposição ao projeto na comissão, ele é considerado aprovado, mesmo sem ser submetido ao plenário da casa. O artigo 41A tornou-se lei em 1999, a partir de um projeto de lei de iniciativa popular com 1,2 milhão de assinaturas. Foi o resultado de uma campanha pela moralização do voto coordenada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ele institui que crimes de "captação de sufrágio" - entendidos como doação, promessa o ato de doar, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, com o objetivo de ganhar o seu voto - serão punidos com a cassação automática do registro do candidato ou do diploma do eleito. Desde então, foram cassados, com base nesse dispositivo, 164 prefeitos, vereadores e deputados. Essa mesma lei permitiu a cassação do prefeito de Campos, Arnaldo Vianna (PDT), por uma decisão de primeira instância, baseada na evidência de que ele usou a máquina administrativa da prefeitura em seu favor; e também do segundo colocado na disputa, Geraldo Pudim (PMDB), sob quem pesou a acusação de usar os programas sociais do governo do Estado do Rio para ganhar votos. O primeiro era apoiado pelo ex-prefeito; o segundo, pela governadora Rosinha Matheus e seu marido, Anthony Garotinho. A mesma sentença tornou inelegíveis Rosinha, Garotinho e o ex-prefeito, decisão provisoriamente suspensa pelo TRE. Desde que foi aprovado, o artigo está em permanente risco. A primeira tentativa de revogá-lo foi do senador César Borges (PFL-BA), que responde a ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso do poder econômico. Diante da grita pública, retirou o projeto quando o Senado se preparava para votá-lo. Em seguida, o senador Geraldo Mesquita (PSB-AC) apresentou outra proposta do mesmo teor. A mais nova tentativa é de autoria de Valadares, que permite impetrar ações apenas entre a convenção que escolhe o candidato e 15 dias depois das eleições. Existe uma grande discussão acerca da justeza do artigo, até porque, é preciso reconhecer, ocorreram excessos na sua aplicação. O senador João Capiberibe (PSB-AP), por exemplo, teve o seu mandato cassado devido à acusação de ter comprado um único voto a R$ 25 - aliás, o seu caso foi a motivação dos dois senadores do seu partido que apresentaram projetos para mudar o artigo. Capiberibe mantém-se no mandato por decisão liminar do STF. Em Novo Hamburgo, os dois candidatos a prefeito, que somaram 70% dos votos, tiveram seus registros anulados porque ambos compareceram a uma inauguração. Em Cerquilho (SP), os três candidatos a prefeito foram cassados porque foram à inauguração de uma rodovia fora de seu domicílio eleitoral. A perda automática do registro ou do mandato, porém, veio em resposta a um problema eleitoral recorrente. Um excesso de possibilidades de recursos a decisões da Justiça Eleitoral estendia por tanto tempo uma ação contra os infratores que, na maioria dos casos , eles conseguiam completar ou praticamente concluir um mandato de comprovada ilegitimidade. O caso mais lembrado é o do ex-senador Waldeck Ornellas que, a despeito de ação contra ele por fraude eleitoral, pródiga em provas, conseguiu cumprir os oito anos de seu mandato graças a medidas protelatórias à sentença definitiva. A morosidade da lei era um prêmio a políticos que compravam votos, usavam a máquina eleitoral ou fraudavam de outras formas o resultado eleitoral. A supressão do mecanismo que garante agilidade na punição de fraudes eleitorais é um retrocesso. Há outros caminhos para se coibir os excessos na sua aplicação. É necessária, por exemplo, uma revisão de toda a legislação eleitoral, para redefinir os crimes passíveis de punição. É uma forma de evitar punições desproporcionais ao erro cometido. A Justiça Eleitoral, por sua vez, deve o mais depressa possível unificar entendimentos, para não se transformar num veículo político. Os excessos da aplicação da lei podem, afinal, simplesmente substituir a decisão das urnas pela decisão dos tribunais.