Título: Reeleição ainda nítida no horizonte
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2005, Política, p. A6

No próximo fim de semana será concluída uma nova pesquisa Ibope para a sucessão presidencial e sobre ela há expectativa, no governo e nas cúpulas partidárias, de que, tendo sido feita em período mais candente da atual crise política, retrate em dimensão real o impacto das denúncias de corrupção no governo e, principalmente, da ação da cúpula do PT no Congresso, sobre as possibilidades de reeleição do presidente Lula. As prospecções indicam, segundo os analistas de dados, que Lula está realmente mais desgastado, mas nem de longe sua reeleição teria sido inviabilizada. Para isto ocorrer, o presidente teria que ter sido pessoalmente atingido pelas denúncias, criando tal nível de frustração em seu eleitorado que acabaria por se espalhar a desgraça por todo o sistema político. Um cenário de exclusão do presidente Lula, dizem especialistas, é um cenário de exclusão dos políticos que estão hoje na disputa com ele. É cenário propício ao aparecimento de nomes fora do quadro político-partidário tradicional. À moda latinoamericana, quem sabe. As novas pesquisas, pelo que já foi dado a ouvir, devem mostrar mais desgaste, apenas. Os últimos levantamentos de intenção de voto, divulgados há uma semana, tanto pelo Instituto Sensus, quanto pelo Datafolha e também o próprio Ibope, apontam pequenas alterações nas chances de o presidente Lula renovar seu mandato, mas nada que o tenha feito mudar os rumos do governo. Acreditam os especialistas que, a partir da nova situação a ser mostrada, as alterações das chances se acentuam, e as mudanças teriam que ser feitas de forma radical. A tensão política, na semana de pouca alteração nas pesquisas, não havia chegado ao ponto a que acabou chegando nesta semana, e o PT e partidos da aliança que apóia o presidente não eram, como são hoje, sócios tão majoritários do governo na crise. O depoimento do deputado Roberto Jefferson à Comissão de Ética da Câmara, ontem, a despeito de não estar acompanhado de provas documentais, como de resto acontece sempre em processos políticos - que nem por isso são inócuos - constitui um testemunho que pareceu a todos, inclusive a muitos políticos solidários ao governo, consistente. E foi a partir da segurança com que apresentou seu relato que, no meio da tarde, começaram a surgir especulações mais fortes sobre uma antecipação da decisão do presidente de reorganizar seu governo para agir fortemente no campo administrativo e político. As pesquisas ainda não divulgadas já estariam apontando reflexo maior sobre a imagem do presidente e do seu partido. Isto, indicam os especialistas, deve ocorrer de forma crescente, com o surgimento de confirmações nos depoimentos de novas testemunhas. Uma coisa será afetada pela outra. Não há o menor indício de que o eleitorado esteja, agora, envolvendo o presidente, ou atribuindo-lhe responsabilidades por ação ou omissão quanto às denúncias. Mas o desgaste de imagem é considerado inevitável e já de proporções em que não se pode evitar. O PT e o governo estão, neste momento em que não funciona plenamente a Comissão Parlamentar de Inquérito, executando uma estratégia de defesa baseada em dois argumentos: um, a ausência de provas sobre o que diz o deputado Roberto Jefferson a respeito do pagamento de mesadas, pela cúpula do PT, a deputados do PP e do PL; outro, serem as denúncias de corrupção e a sua apuração produto de uma guerra política entre governo e oposição, esta conduzindo, com as elites intelectuais, acadêmicas, sociais, um golpe que visa "fragilizar forças políticas emergentes, subjugá-las, impedir que governem e se mantenham no governo", como definiu a este jornal o ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo.

Politicamente frágil, governo recorre à tese do golpe

Os dois argumentos básicos no enfrentamento da crise parecem ser, neste momento, uma produção da fragilidade política do governo, pois não ficam de pé um segundo. Embora seguramente tenha o governo amadurecido como tal, neste episódio, suas opções são ainda muito retóricas. À medida em que for aumentando o nível de conhecimento da população sobre as denúncias de corrupção e as explicações dos envolvidos, o governo terá que buscar uma ação mais efetiva. Por exemplo, aquela sobre a qual vem sendo aconselhado por ministros e até grupos do próprio PT, de reorganizar seu projeto, enxugar a estrutura administrativa, demitir sem pena e sanear aquelas entidades citadas em denúncias, além de escolher ministros mais competentes e praticar uma gestão firme, em cujos resultados se pautará para pedir novamente os votos em 2006. A reeleição do presidente Lula não está ainda ameaçada. Porém, as atenções já estão um pouco mais voltadas para clarificar quem está se beneficiando do seu desgaste. O crescimento do apoio à senadora Heloisa Helena, candidata do PSOL nos cenários da sucessão, parece ser um fato. Como também o é a melhora das condições eleitorais do ex-governador Anthony Garotinho, se fosse mesmo o nome escolhido pelo PMDB para representá-lo. Curiosamente, tanto o governo (PT-Lula), quanto a oposição (PFL-PSDB), estão incomodados com o crescimento dessas duas candidaturas. As expectativas dos especialistas são de que ainda é cedo para saber quem, além dos dois citados, pode se beneficiar do desgaste da proposta de reeleição do presidente Lula. Na pesquisa Ibope do início deste mês, por exemplo, um dos cenários suprimia a candidatura do PFL, e as intenções de voto se pulverizavam. Dos 5% de Cesar Maia, dois iam para Garotinho, um para Heloísa Helena, um para Lula e um para Geraldo Alckmin. Distribuição que mostra não ter havido ainda a decantação da crise, com a reversão do desgaste de um em benefício exclusivo de outro.