Título: Jefferson poupa Lula e mira Dirceu
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2005, Política, p. A4

Crise Deputado faz novas acusações sobre esquemas de corrupção que seriam dirigidos pelo PT

O homem que desencadeou a mais grave crise política no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ontem ao Congresso determinado em não deixar a vida pública sozinho. Por mais que tenha enfatizado "estar só", o presidente nacional do PTB, deputado federal Roberto Jefferson (RJ), fez declarações destemidas no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara que comprometem seriamente dirigentes de partidos, líderes políticos e ministros, especialmente o da Casa Civil, José Dirceu. Só poupou, com excessos de adjetivos, o presidente Lula. "O Lula é inocente nisso", enfatizou repetidas vezes. Roberto Jefferson fez aniversário ontem, e lembrou que o inferno astral começa um mês antes da data. Demonstrou estar disposto a revelar tudo o que sabe, mesmo que isso o afunde cada vez mais. Sabe que sua vida pública acabou. Prova disso é que deu detalhes de uma operação ilegal do PTB com o PT para financiamento de campanha. Ao falar na abertura da reunião do Conselho de Ética por uma hora, sem interrupção e acompanhado por dois advogados, Jefferson não só confirmou as denúncias já feitas sobre o pagamentos de deputados para votar a favor do governo - o chamado mensalão - como deu detalhes de uma operação que teria sido acertada entre o PT e o PTB para financiamento de campanhas eleitorais em 2002, no valor de R$ 20 milhões. Deste total, ele assegurou ter recebido, como cidadão (pessoa física) e sem registro na Justiça Eleitoral, R$ 5,8 milhões. O PT, segundo ele, prometeu o pagamento de outras quatro parcelas que não foram quitadas, gerando brutal insatisfação no partido. A primeira parcela chegou ao PTB em julho de 2002 à sede do partido, em Brasília. A entrega, disse ele, foi feita pelo publicitário mineiro Marcos Valério. "As notas e os recibos não chegaram", justificou. O ministro José Dirceu, continuou Jefferson, foi informado de que o acordo com o PTB não fora honrado. Justificou que a Polícia Federal era "tucana" e estava cercando os doleiros, dificultando tais operações ilegais. "Recebi como cidadão Roberto Jefferson. Eu assumo pessoalmente que recebi pelo cidadão José Genoino, através do cidadão Delúbio. Quero prestar contas disso como cidadão. Se houver disposição do PT, podemos fazer uma declaração retificadora à Justiça Eleitoral", afirmou. Ele disse que acertou a ajuda financeira no hangar da Varig com Genoino, Delúbio e Marcelo Sereno, secretário de comunicação do partido. Disse o pagamento foi feito pelo publicitário Marcus Valério em dinheiro vivo, na sede do PTB em Brasília, em notas de 50 e 100 reais, e identificada a procedência do Banco Rural e Banco do Brasil. O depoimento de Jefferson foi meticuloso. Ele escolheu os principais alvos que quer atingir. Assegurou que os ministros José Dirceu, Antonio Palocci (Fazenda), Aldo Rebelo (Coordenação Política) e Ciro Gomes (Integração Nacional) foram informados por ele da existência do esquema do mensalão. Determinado, com olhar fixo, voz firme e empostada, o deputado enfrentou colegas sem nenhum constrangimento e deu até conselhos ao ministro José Dirceu: "Se você não sair daí rapidamente, vai fazer de réu um homem honrado que é o presidente Lula. Saia daí rápido". Roberto Jefferson citou nominalmente os líderes e presidentes de partidos que, segundo ele, sabiam do esquema e distribuíam dinheiro aos parlamentares: "Janene, Mabel, Pedro Corrêa, Bispo Rodrigues, Pedro Henry, Valdemar Costa Neto: me perdoem, de coração. Eu não posso ser cúmplice de vocês nesta história que envergonha grande parte da Câmara dos Deputados", disparou. Mais adiante, disse que esses parlamentares "conheciam (o esquema) e distribuíam (o mensalão). Com um estilo característico, em que dava aos deboches e sarcasmos um tom de seriedade, Roberto Jefferson disse com desenvoltura que não tem provas a exibir. "Eu sou testemunha". Demonstrou ter total consciência de que perderá o mandato, mas avisou que não renunciará. O esquema do mensalão, segundo ele, foi proposto pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Jefferson contou que recebeu o tesoureiro do PT na sua casa, em janeiro ou fevereiro de 2004. Foi nesta ocasião que o petista, classificado por Jefferson como "homem simples, com jeitão de goiano do interior", ofereceu dinheiro a parlamentares do PTB com um eufemismo: "Ajuda para desencravar a unha". Em seguida, segundo Roberto Jefferson, o assunto foi discutido com o ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, e com o líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE). "O ministro me disse: se o PTB aceitar isso eu não tenho coragem de olhar nos olhos do presidente Lula", acrescentou. O caso do mensalão, segundo ele, foi discutido na bancada do PTB. Por unanimidade de votos, a bancada, garantiu ele, recusou receber o dinheiro. Jefferson disse que foi difícil conseguir controlar os parlamentares, porque havia um forte jogo de sedução por parte do PL e do PP. "Eu e o Múcio vivíamos um sofrimento com os deputados que fraquejavam", contou. Ele assegurou que só teve oportunidade de contar pessoalmente a Lula do mensalão em março deste ano, e que ele teria ficado perplexo. "Senti a consternação do presidente. Me deu um abraço e eu sai", disse. "O presidente preside o governo. Ele não preside o PT. Falei com um inocente, que desconhecia o problema", enfatizou. Roberto Jefferson informou que hoje, até as 19h, vai enviar ao Conselho de Ética um acréscimo de depoimento, por escrito, por meio de seus advogados. Prometeu ainda provas testemunhais e/ou documentais, como contratos de empresas privadas (Novadata e Skymaster) com estatais - com foco nos Correios. O deputado disse ter a certeza de que as denúncias serão confirmadas com o tempo, durante as investigações de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. "Todo mundo ouviu falar do mensalão. Ou estou falando num convento de virgens? Eu apenas destampei a panela", afirmou. O Conselho de Ética volta a se reunir amanhã para deliberações. Os parlamentares já anteciparam que pretendem convidar pelo menos 18 pessoas citadas por Jefferson. O problema é que o Conselho não tem força de convocação, ao contrário de uma CPI. Tanto no caso do mensalão como no caso de financiamento de campanha, Jefferson disse acreditar que o dinheiro é proveniente de um esquema entre o setor privado e empresas estatais. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) disse que pedirá hoje ao Ministério Público Eleitoral uma auditoria em todos esses partidos citados ontem: PTB, PT, PP e PL. Sobre o suposto esquema de corrupção nos Correios, no qual teve seu nome envolvido, Jefferson repetiu várias vezes que não indicou para o cargo Maurício Marinho, ex-chefe do departamento de contratação e administração de material flagrado em fita de vídeo recebendo propina. Jefferson afirmou que o vídeo foi gravado por arapongas, que o tentaram extorquir. Já em relação a Antônio Ozório Batista, ex-diretor de Administração, disse que no seu departamento 60% das compras foram feitas por pregão e 30% por carta-contive. Também em relação aos Correios o deputado tentou complicar o PT. Disse que tem recebido informações "de gente boa dos Correios" e afirmou que a maior parte da corrupção está concentrada na Diretoria de Informática, com contratos milionários e superfaturados em até 300%. Insinuou que é o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, o responsável por esta área dos Correios. (Colaborou Henrique Gomes Batista)