Título: Convergência para uma meta de inflação de longo prazo
Autor: Antonio Prado
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2005, Opinião, p. A10

A política de desinflação das economias contemporâneas vem sendo realizada de forma crescente pela adoção de políticas monetárias de metas de inflação. Essas objetivam subordinar a autoridade monetária a um regime de discricionariedade constrangida, estabelecido por uma regra de conduta que tem graus de flexibilidade, mas dentro de parâmetros explícitos. A confiança na política monetária é conquistada pelo respeito à regra definida: os formadores de preços devem perceber que há uma consistência entre a intenção e a ação do Banco Central e que sua política monetária é coerente com as políticas fiscal e cambial. Uma vez que a política monetária tem efeitos defasados sobre a demanda agregada, o Banco Central adota indicadores antecedentes de inflação para avaliar a eficácia de seus instrumentos. Desta forma, segue seu próprio modelo de projeção e também as expectativas de inflação dos agentes econômicos mais informados como guia de eficácia. Se os agentes revêem para baixo suas projeções de inflação a partir de elevações das taxas de juros básicas, o Banco Central entende que está conseguindo coordenar as expectativas. Caso contrário, ou considera que a dose não foi suficiente ou que o instrumento adotado já atingiu seu limite de eficácia. A avaliação da dose correta de juros não é uma questão trivial. Depende da consideração de outros parâmetros econômicos, notadamente do crescimento econômico. Se a taxa de juros sacrifica o crescimento econômico, mas sem efeito substantivo sobre a inflação real ou esperada, é porque perdeu a eficácia sobre causas relevantes do processo inflacionário e, portanto, outros instrumentos devem ser utilizados, estejam eles à disposição do Banco Central ou de outras áreas do governo. Se o sistema de preços está permeado por contratos indexados à inflação passada e também depende de preços que se formam no mercado internacional, a taxa de juros, para ter efeito sobre a inflação, exigiria um sacrifício muito grande dos setores com preços livres, via retração do crescimento econômico. Esta pode ser uma opção em situações excepcionais, mas é geralmente indesejável pelos seus custos sociais e políticos. E a regra do "se pode menos, faça mais" deveria ser evitada em economias com alto desemprego. Os choques de preços de commodities devem ser acomodados pela política monetária em seus efeitos plenos sobre a inflação, pois geralmente carregam em si mecanismos de desaceleração da atividade econômica. Mas o que fazer com a inércia provocada por indexadores? Submeter os mais fracos nos elos econômicos a uma deflação recessiva e descapitalizadora? Por quanto tempo e a que custos? A definição operacional da meta de inflação de longo prazo e mesmo a transição para esse objetivo depende da qualidade dos índices de inflação usados. O levantamento de preços na economia é um processo complexo e sujeito a distorções de várias naturezas, oriundas tanto das fórmulas de cálculo utilizadas, da metodologia de coleta dos preços de bens e serviços e das inovações de produtos e de serviços de distribuição e financiamento que ocorrem no intervalo entre pesquisas de orçamento familiar. Nesse sentido, é preciso avaliar o próprio processo de indexação e a qualidade dos indicadores.

É hora de criar uma comissão técnica ampla para avaliar as metas e subsidiar o Conselho Monetário Nacional

O Senado americano há alguns anos criou a chamada Comissão Boskin para analisar os índices de preços daquele país e concluíram que havia indícios de superestimação de índices de preços, na ordem de 0,8 a 1,6 pontos percentuais. Isso em função de distorções relacionadas a mudança de qualidade dos bens e serviços ao longo dos anos e ao efeito substituição. Não é pouco, onde a inflação anual tem sido de 2,0% a 2,5%. Mesmo que o relatório seja objeto de polêmicas, a questão que levanta é crucial para economias bastante indexadas. Se esse fenômeno também estiver acontecendo em nossa economia, teríamos pelo menos duas questões a considerar: a da definição operacional de estabilidade efetiva de preços e a do excesso de inércia inflacionária. Já é sabido que os contratos indexados à família dos IGPs têm, desde a mudança de regime cambial em janeiro de 1999, subido muito acima do IPCA, INPC e até acima do deflator implícito do PIB. Devido ao efeito Boskin, estabilidade de preços em muitos países não é inflação de 0%. Isto porque, dadas as fontes de distorção de medida, já se poderia estar forçando a economia a um passo além da desinflação, com seus efeitos sobre as decisões de produção e investimentos. Dados esses riscos já detectados em outros países, é lícito colocar a questão de qual é a taxa de inflação que indica estabilidade efetiva de preços no Brasil? Não há estudos conhecidos sobre o assunto e, portanto, a resposta é: não sabemos. Assim, é preciso ter muita cautela na fixação da meta de inflação. Mesmo porque, há ainda a questão de se estabelecer qual é a inflação estrutural da economia brasileira, independentemente de qualquer distorção de medida. As metas para 2005 e 2006 foram fixadas em junho de 2004 em 4,5% ao ano. Pode ser um valor muito próximo da estabilidade efetiva de preços e, nesse caso, em momentos de choques externos, como recorrentemente passamos, não seria algo temerário operar nesse limiar? É bom lembrar que em circunstâncias históricas e estruturais da economia brasileira as mais diversas, poucas foram as vezes em que a inflação anual ficou abaixo de 5% e, mesmo assim, só em anos de sobrevalorização cambial e queima brutal de reservas internacionais. Já é tempo de se criar uma comissão técnica ampla para avaliar as metas de inflação de longo prazo para subsidiar o CMN (Conselho Monetário Nacional), o Senado Federal e a opinião pública. Está claro que a técnica de ir definindo as metas apenas pela tentativa e erro já está trazendo prejuízos ao fôlego do crescimento econômico e da recuperação do nível de emprego e da renda. As metas de 2001 a 2004 foram revistas pelo CMN ou ajustadas pelo Bacen em decorrência de mudanças abruptas no cenário econômico. Mesmo assim, a credibilidade do sistema de metas permaneceu. Pois o que importa é a trajetória de desinflação e essa vem sendo consistente.