Título: E agora, José?
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2005, Política, p. A8

A defesa na Comissão Parlamentar de Inquérito anuncia-se como o maior constrangimento de José Dirceu na retomada do seu mandato parlamentar, mas a coabitação com a nova agenda de Lula no Congresso será um desafio de semelhantes proporções. Agora que o ministro Antonio Palocci reinará absoluto na Esplanada dos Ministérios não tardarão as medidas com as quais se pretende frear a saída de capitais. Como informaram Claudia Safatle e Cristiano Romero, no Valor de ontem, está sendo gestada uma proposta de emenda constitucional para radicalizar o arrocho fiscal com a desvinculação constitucional de receitas e despesas. Isso é tudo o que o governo Fernando Henrique sempre sonhou e nunca conseguiu fazer - pela resistência dos governadores e de sua própria base de apoio. Hoje a oposição pode confortavelmente ceder seus votos à aprovação do arrocho e é sobre o PT, agora liderado por Dirceu no Congresso, que a nova agenda de Lula no Congresso tende a produzir os maiores estragos. A nova rota viabilizaria a conclusão do mandato de Lula, mas pode vir a significar a ruína de um partido que já ruma destroçado para as urnas em 2006. Repetiu-se à exaustão que a eleição de Severino foi um problema do PT e não do governo. Da mesma forma como seria o partido e não o governo que deveria responder pelas denúncias de Roberto Jefferson. Agora que o mais emblemático petista saiu do governo, não se deve esperar que o partido ofereça as saídas para a enrascada em que se meteu Lula. A saída de Dirceu do governo dá-se exatamente dez anos depois de sua ascensão ao comando do PT. Recebeu de Lula o apito nas disputas internas da legenda e nas mudanças necessárias à chegada do PT ao poder. Foi neste ano que o economista Cesar Benjamin, fundador do partido e seu dirigente durante 15 anos, desfiliou-se. Num discurso inflamado durante o Encontro Nacional do partido, em 1995, denunciou a capitulação petista aos vícios do tradicional financiamento de campanha. Não conseguiu terminar o discurso, enxovalhado pela Articulação, grupo que hoje compõe a maioria do Campo Majoritário.

Crise queima Lula como reserva da nação

Hoje Cesar Benjamin assiste à crise do governo Luiz Inácio Lula da Silva com a convicção de que seu combustível é a forma de fazer política engendrada dentro do próprio partido nesta última década. Dirceu e o Campo Majoritário, diz, ascenderam ao poder ampliando o acesso e o domínio das fontes de financiamento. "Esse controle deixou um cadáver insepulto no meio do caminho que foi o Celso Daniel", diz, tocando na mais delicada ferida da trajetória petista rumo ao poder. "Que projeto têm para o país Delúbio Soares, Marcelo Sereno e Sílvio Pereira, senão a mais estrita fidelidade ao poder?", indaga. Cesar Benjamin acredita que a atual crise é mais grave do que a do governo Collor de Mello porque desta vez o país está queimando suas reservas. No singular, as cinzas têm nome e sobrenome. A crise é mais profunda porque esvai-se a reserva que atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. Não aposta apenas que o ciclo do PT, como depositário das esperanças da nação acabou, mas que se assiste à mais grave crise da esquerda brasileira. Vê com ceticismo as chances de reação do PT a partir da reunião do diretório nacional deste fim de semana em São Paulo. Descrê da derrota do Campo Majoritário na eleição de setembro, que renovará a cúpula do partido e cita o exemplo de Uberlândia, no interior de Minas Gerais com o qual municia sua acusação de que Lula e Dirceu inauguraram a "esquerda de negócios" no país. Um amigo lhe relatou que, em quinze anos de militância, os petistas da cidade tinham conseguido amealhar 1.900 filiados. Nos últimos seis meses, a entrada desordenada de políticos egressos de outros partidos em Uberlândia levou à filiação de seis mil pessoas. Ao assistir hoje à derrocada de Dirceu, o consultor sindical João Guilherme Vargas Neto lembrou-se de um encontro entre Lula e as centrais no Memorial da América Latina. O presidente estava a dias de tomar posse e respondeu pacientemente às perguntas dos sindicalistas. A melhor delas veio o presidente da Central Autônoma dos Trabalhadores, Laerte Teixeira da Costa. "Não corremos o risco de vê-lo transformado num Lech Walesa?". Lula foi ágil na resposta: "Isso não acontecerá comigo porque tenho ao meu lado o PT". Quem souber a resposta que Lula daria hoje a Laerte, tem nas mãos a trilha do governo até dezembro de 2006.