Título: A CPI, a Ku Klux Klan e os corretores de imóveis
Autor: Claudio Haddad
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2005, Opinião, p. A13

A corrupção é extremamente nociva para países em desenvolvimento como o Brasil. Além de saquear os cofres públicos, ela produz uma ineficiente alocação de recursos, uma injusta concentração de renda, que nada tem a ver com mérito, mas sim com o relacionamento corrupto-corruptor, além do descrédito do sistema político. Por isso, caso o governo e o Congresso estejam realmente sérios a respeito e não apenas jogando para a platéia, é hora de enfrentar o problema. Acabar com a corrupção é inviável, mas controlá-la e reduzi-la é possível. Instituições frágeis, impunidade, excesso de burocracia e elevada participação do governo na economia são terreno fértil para a corrupção. Não à toa, o Brasil apresenta níveis elevados neste campo. Desde 1995, a ONG Tranparency International ( www.transparency.org ) vem computando índices anuais de percepção de corrupção no setor público entre países. O índice é um composto de vários indicadores de opinião obtidos junto a empresários e profissionais do setor privado e analistas, residentes ou não no país. O número de países pesquisados aumentou ao longo do tempo, de 41, em 1995, a 146, em 2004. As notas vão de zero a dez e quanto mais altas, menor é o nível percebido de corrupção. A maior nota em 2004 foi a da Finlândia, com 9,7; e a pior a do Haiti, com 1,5. Notas abaixo de 5 indicam níveis preocupantes de corrupção. Como podemos ver no gráfico, a nota do Brasil evoluiu de 2,7 a 3,9 no período, tendo flutuado em torno deste nível desde 1998. Em 2004 esta nota nos colocou na 59ª posição, a pior colocação do Brasil desde que o índice foi construído. O Chile, com nota 7,4 e na 20 ª colocação, logo atrás dos Estados Unidos e na frente da França, é de longe o país da América Latina com o melhor desempenho, seguido do Uruguai com 6,2. Interessante que o Chile foi, sem dúvida, o país latino-americano que mais se aprofundou nas reformas econômicas e na redução do tamanho do Estado. Quando comparados aos dos países do continente, de origens culturais semelhantes, seus indicadores são consistentes com a tese de que menos governo e burocracia reduzem a corrupção. Reformas, privatização e redução do tamanho do Estado são, no entanto, temas polêmicos, carregados de ideologia e de difícil e lenta implementação. O que fazer então? Em capítulo de livro recente, que há oito semanas consecutivas se encontra em segundo lugar na lista de mais vendidos do New York Times, Levitt e Dubner fazem uma comparação curiosa entre a Ku Klux Klan e os corretores de imóveis. O que eles têm em comum é que ambos prosperam em um ambiente com pouca informação, sobre seus membros, ritos e práticas, no caso da primeira, e sobre condições de mercado no caso dos últimos. A assimetria de informação, entre os iniciados e resto do público, permitiu que a Ku Klux Klan continuasse se expandindo secretamente e que os corretores de imóveis ainda fechem negócios que não correspondem ao melhor interesse dos clientes que os contratam. Com a divulgação dos nomes dos membros da Klan e de suas práticas, códigos e métodos e com informações melhor disponíveis sobre as reais condições de mercado, a vantagem comparativa dos dois grupos diminui e eles perdem dinheiro e poder. No caso da corrupção a analogia é a mesma. Corrupção implica que alguém está pagando para ter uma vantagem indevida, seja a nomeação de um apadrinhado para um cargo para o qual ele não seria o mais competente, um voto para um determinado projeto, o favorecimento de uma empresa em uma concorrência, e assim por diante. Quanto menos transparência houver sobre nomeações, processos, preços, contratos e custos de prestação dos serviços, mais campo haverá para a corrupção, principalmente em um ambiente favorável como o do Brasil. Assim como a divulgação dos ritos da Ku Klux Klan foi fundamental para expô-la ao ridículo e reduzir a adesão de novos membros, uma cena gravada de entrega de dinheiro ao corrupto, ou a descrição das manobras para fraudar uma concorrência, têm efeito semelhante. Como disse o famoso juiz americano Louis Brandeis, a luz do sol é o melhor desinfetante. Ora, nada melhor do que a Internet, um veículo de baixo custo e acessível a todos, para prover informação sobre o andamento do setor público, direto e indireto. Leilões eletrônicos são importantes e a prática mostra que eles são eficazes em reduzir custos na compra de matérias primas e produtos homogêneos. Mas, como eles não cobrem contratos de prestação de serviços, como obras públicas e coleta do lixo, nem nomeações de pessoal pela administração direta e indireta, é preciso bem mais do que isto. É necessário a divulgação e o acompanhamento de concorrências, contratos, custos e das nomeações para cargos de confiança (com os respectivos currículos), de forma a poder se comparar preços e desempenho, em todos os níveis do setor público, inclusive das empresas por ele controladas. É também importante haver mais transparência e informação sobre as operações de crédito e repasse dos bancos oficiais. Muitas destas providências podem ser tomadas por simples ato administrativo, não requerendo mudança legislativa. A CPI é ótima ocasião para se aprofundar nestes temas. Mas é preciso querer de fato consertar, o que não é trivial. Afinal, a corrupção, embora deletéria ao país, beneficia muita gente. Não é à toa que ela ainda é rompante.