Título: Em crise, as instituições precisam de boa reforma
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2005, Opinião, p. A12

Há um mês, o país vive a expectativa de que o governo traduza, em atos, a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de cortar na própria carne, se necessário, e não deixar "pedra sobre pedra" na apuração das denúncias de corrupção em seu governo. Até ontem, as ações visíveis eram uma operação política, para limitar a atuação da CPI dos Correios; uma operação da Polícia Federal para apurar o escândalo dos Correios; e uma promessa de reforma ministerial e administrativa, que contemplaria uma redução drástica dos cargos de confiança da máquina federal. Ontem, pediu demissão do governo o ministro da Casa Civil, José Dirceu, apontado pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, como um dos petistas envolvidos na articulação de um esquema supostamente destinado a dar um "mensalão" a deputados do PL e do PP, em troca de apoio político. As reações do governo ao último lance da crise política - o bombástico depoimento de Jefferson à Comissão de Ética, na última terça-feira - mostram que, ao menos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu do imobilismo. A reforma ministerial e administrativa, que está na promessa, e a ação rápida da Polícia Federal para apurar as denúncias de corrupção nos Correios, são o lado bom. A operação na CPI, que retirou a oposição das funções de direção, no entanto, mantém no ar a dúvida sobre até onde o governo está disposto a cortar na carne. Ela traz a incômoda imagem de operação "abafa". E o tamanho da crise política instalada por conta, primeiramente, das acusações contra o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e posteriormente potencializada pelas acusações devolvidas por Jefferson à direção petista, não comportam atos dúbios. Exigem clareza, a bem das instituições. Hoje, o descrédito da opinião pública se volta para todas as instituições: para o governo, por ação ou omissão; para um Congresso acusado e para uma Justiça que, na visão comum, não se constitui em garantia de punição aos crimes cometidos na esfera pública. O descrédito atinge em cheio o sistema partidário, mas em especial o PT que, por propaganda ou convicção, chegou ao Palácio do Planalto se diferenciando dos demais - estes, segundo os próprios petistas, excessivamente comprometidos com o modo tradicional de fazer política. Embora estejam envolvidos no episódio todos os atores da política institucional, as atenções naturalmente se voltam para o Executivo. Em primeiro lugar, porque as denúncias atingem o coração do partido que levou Lula ao poder. Em segundo, porque num sistema presidencialista é dele a liderança do processo político. No entanto, ao contrário das crises anteriores, onde o Planalto foi protagonista e articulador de uma série de trapalhadas e derrotas, esta crise não admite incompetência nem tergiversação. E a competência não vai ser medida por derrotas eventuais infringidas à oposição, mas pela capacidade de transformar os abalos da última semana numa reflexão profunda sobre as instituições e numa ação positiva para modernizar um compartimento da vida do país, a política, que resiste a qualquer mudança e se mantém indiferente às transformações sofridas pela economia na última década. É preciso expor todas as debilidades de um sistema político que sempre tolerou, como inerente à democracia, o uso político ou privado da máquina pública. Nas crises decorrentes de escândalos de corrupção dos últimos governos, anunciou-se uma "operação mãos limpas", destinada a corrigir as fragilidades do sistema político e punir os responsáveis por irregularidades. As promessas caíram no esquecimento. Os alicerces da velha política continuam fortes. Que agora, em consequência de um abalo desta proporção na imagem do Executivo e do Legislativo, ela de fato ocorra. É preciso abrir a caixa preta dos financiamentos de campanha, não apenas fazendo novas leis para inibir abusos, mas punindo os que agiram ao arrepio de lei que já existe e é para ser obedecida. É preciso punir corruptores e corruptos, e assim dar à opinião pública outra dimensão da política - mostrar, enfim, que a política não é e não deve ser um compartimento estanque da vida nacional, que não deve obediência à lei ou atenção à ética. É certo que essa não é uma tarefa apenas do Poder Executivo. Todas as instituições estão no mesmo barco. Mas o governo petista, até para recuperar a imagem de que é diferente dos demais, deve liderar o processo. O Congresso deve abrir a sua caixa preta. E o Judiciário, além de olhar para as suas próprias deficiências, dar a sua contribuição para o processo de mudar a cara da política institucional brasileira.