Título: Impasse brasileiro trava Protocolo de Cartagena
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2005, Agronegócios, p. B14
Marcado por profunda divisão interna, o governo brasileiro decidiu travar as discussões de outros 118 países sobre o comércio internacional de organismos geneticamente modificados, na semana passada em Montreal (Canadá), durante encontro do Protocolo de Biossegurança de Cartagena. Preocupado com o uso do acordo como barreira não-tarifária, o Brasil interrompeu o avanço das negociações sobre exigências de documentação para carregamentos de transgênicos usados como alimentos, sementes ou destinados ao processamento. "Alguns países querem usar o protocolo para proteger sua agricultura, mas a União Européia age de forma protecionista e quer regras estritas e rígidas para usá-lo como uma barreira aos nossos produtos", afirma o coordenador da delegação brasileira, ministro Hadil da Rocha Vianna, também chefe da Divisão de Meio Ambiente do Itamaraty. Segundo ele, a UE agiu "espertamente" durante as discussões. "Tentaram constranger o Brasil e a Nova Zelândia por meio de ONGs e dos países africanos, que não tem o perfil de grande exportador do Brasil". O país da Oceania foi o único a apoiar a oposição brasileira. O protocolo, adotado pelos 118 países desde 2000, prevê a identificação de organismos transgênicos, a criação de mecanismos para responsabilizar e compensar danos causados ao ambiente e à saúde humana, além da necessidade de avaliar riscos e treinar agentes para lidar com esses temas. Como o texto se aplica ao comércio, armazenagem, identificação e uso de todos os transgênicos que podem afetar a biodiversidade e a saúde humana, a oposição brasileira pode ter conseqüências comerciais. A UE, maior compradora de produtos agrícolas do país, quer as regras. E a China, que tem comprado cada vez mais soja do Brasil, também ratificou o protocolo. "Isso pode ser muito mais prejudicial do que ter regras claras", diz Rubens Nodari, representante do Ministério do Meio Ambiente na delegação. "Se os dois maiores clientes querem regras porque vamos nos opor?". A principal divergência está em qual expressão deve ser adotada para identificar, no trânsito internacional, os transgênicos. A maioria dos países defendeu que a identificação das cargas devem ser claras e os rótulos devem expressar "contém" material modificado. Brasil e Nova Zelândia defenderam o texto atual do protocolo, que determina a expressão "pode conter" um determinado tipo de transgênico. Tiveram o apoio do "Grupo de Miami" (Canadá, Austrália, Argentina, Chile e Uruguai), que defende regras menos abrangentes e restritivas. Os EUA, que sempre jogam papel importante, também não são parte do protocolo, mas influenciam as decisões do grupo. No governo brasileiro, há duas linhas que já se enfrentaram nos bastidores durante as negociações da nova Lei de Biossegurança. De um lado, estão os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia. De outro, Saúde e Meio Ambiente. No meio do desentendimento está o Itamaraty, que, segundo Vianna, foi orientado pela Casa Civil da a defender a posição menos restritiva. "Fizemos sempre com a orientação da Casa Civil. Foi uma decisão corajosa, mas ficamos numa posição de não concordar com as regras". Vianna afirma, entretanto, que as coisas podem mudar. Também há outros temas importantes sobre os quais não há consenso no governo, como a responsabilidade dos produtores de transgênicos por danos causados pelos produtos exportados. O grupo "pró-transgênico" quer responsabilidade apenas sobre a movimentação das cargas e não sobre impactos posteriores à venda. Defende que cada país tem sua própria lei sobre o tema. O outro lado diz que, sem identificação, não é possível ter rastreamento, vigilância, responsabilização e a compensação em caso de problemas.