Título: Endosso da imprensa a Kerry tem pouco efeito na eleição americana
Autor: Carlos Eduardo Lins da Silva
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2004, Internacional, p. A-9

John Kerry ganhou o endosso editorial da maioria dos jornais importantes dos EUA. No que isso pode melhorar suas chances de ganhar a eleição de 2 de novembro contra George W. Bush? Pelo que a pesquisa científica e a história ensinam, pouco, quase nada. Ao contrário da imprensa brasileira, nos EUA é tradicional os veículos de comunicação impressos manifestarem sua preferência eleitoral ao público alguns dias ou semanas antes da data do pleito. Há diversas justificativas para esse procedimento. A mais usual é a de que, assim, diminuem as possibilidades de o leitor se sentir iludido pelo veículo. Todas as pessoas fazem uma escolha em confrontos eleitorais. Inclusive jornalistas e dirigentes de jornais. Se a audiência souber claramente qual é a escolha do jornal, poderá julgar em melhores condições as informações que recebe e não terá motivos para desconfiar de uma notícia que pudesse considerar maliciosa. Além da explicação ética, há outra, política: o posicionamento do jornal contribui para o debate de idéias na sociedade e aperfeiçoa a democracia. Os jornais são muito cientes do seu papel de formador da agenda pública, e estar ausente do debate sobre quem deve conduzir o país lhes parece omissão inaceitável. Porém, há inúmeras evidências de que, em termos práticos, o resultado do apoio dos meios de comunicação a um candidato é desprezível. Pelo menos desde 1948, quando Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet publicaram o clássico "The People´s Choice", praticamente todas as pesquisas demonstraram isso. Os três cientistas sociais mostraram nesse trabalho como se deu o processo de decisão de voto entre eleitores americanos nas eleições de 1940. Eles descobriram que a influência dos meios de comunicação de massa se dava, na melhor das hipóteses, via formadores de opinião, o que os levou a criar a teoria do "fluxo de dois passos" para explicar a ação da mídia sobre o público. Em 2000, Kathleen Hall Jamieson, do Centro Annenberg da Universidade da Pensilvânia, revelou o resultado de seu trabalho levado a efeito durante as eleições de 1996. Ela mostrou que a maioria dos leitores de jornal ou não sabia quem o veículo havia endossado ou até achava que ele havia apoiado o seu opositor. Entre os que tinham conhecimento correto de quem havia sido o escolhido pelo seu jornal, só 1% disseram que o endosso havia influenciado o seu voto. É verdade, no entanto, que nas eleições municipais ou estaduais, a importância do apoio do diário de prestígio a um candidato aumenta, segundo estudiosos. Um pouco desse efeito local pode se reproduzir na campanha presidencial por ocasião das eleições primárias, em especial em Estados pequenos - como New Hampshire e Iowa - onde os grandes astros da política nacional são pouco conhecidos até o início da campanha e o endosso do jornal da cidade pode ajudar a tomada de decisão. Mas não de maneira determinante. Ao longo do Século XX, ganhou espaço entre jornalistas e executivos de jornais americanos a tese de que a mídia não deve manifestar sua preferência eleitoral. A revista "Editor&Publisher" tem feito desde 1940 o levantamento de quantos jornais recomendam em editorial o voto num candidato à Presidência dos EUA. Naquele ano, só 13% dos diários não endossaram um dos aspirantes presidenciais. Em 2000, foram 30%. Entre eles, os dois maiores jornais em circulação do país: "The Wall Street Journal" e "USA Today". Os responsáveis por ambos dizem crer que a função do jornalismo é reportar os fatos e publicar opiniões de pessoas engajadas no debate público, não a de interferir diretamente nele. Ron Dzwonkowski, editor de Opinião do "Detroit Free Press" é um dos principais defensores do argumento de que os jornais não devem endossar candidatos. Para ele, os leitores acham que o apoio contamina as páginas editoriais. Porém, pesquisa feita em 2000 pela revista "Editor & Publisher" apurou que essa é a opinião de apenas um terço dos leitores. De qualquer modo, os diários mais influentes dos EUA continuam a publicar seus editoriais com a recomendação de voto ao leitor. Parecem crer que, se não o fizerem, estarão abdicando de sua condição de líder de opinião. Os candidatos ungidos por um grande jornal, como o "The New York Times", por exemplo, tentam capitalizar ao máximo a escolha e disseminam em anúncios os principais argumentos a seu favor utilizados pelos editorialistas. Kerry conta com o apoio de 42 diários, como "New York Times", "Boston Globe" e "San Francisco Chronicle". Bush tem o apoio de 22 jornais, como "Chicago Tribune".