Título: Garotinho, o bicho-papão dos bancos
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2005, Brasil, p. A2

O mercado financeiro já elegeu o bicho-papão para as eleições presidenciais de 2006. É Anthony Garotinho de Oliveira, hoje secretário de Governo do Rio. Garotinho ainda não é candidato. Tem de enfrentar as prévias de seu partido, o PMDB, e possivelmente concorrer com nomes como os dos governadores Germano Rigotto, do Rio Grande do Sul, e Roberto Requião, do Paraná. Mas não esconde de ninguém sua intenção de disputar a Presidência da República, sustentado pelos 15 milhões de votos obtidos em 2002, quando ainda estava no PSB. E já prepara inclusive seu programa econômico, encomendado ao ex-presidente do BNDES Carlos Lessa. Por enquanto, a avaliação de banqueiros é que a crise política gerada pelas declarações do deputado Roberto Jefferson ainda não atinge de forma dramática a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, se vier a atingir, pode render pontos para o PSDB nas próximas eleições. Por isso é que o mercado não desmoronou. No mês, a bolsa ainda acumula alta de 1,08%, o dólar subiu 1,73% e os juros não dispararam, embora o mercado tenha perdido as esperanças de queda na taxa Selic a curto prazo. Os estrangeiros seguem investindo em ações. Aqui e acolá, porém, já começam a surgir temores de que Garotinho saia fortalecido desse processo. E o histórico do candidato nas últimas eleições deixa os banqueiros de cabelo em pé. O então candidato negou-se peremptoriamente a comparecer a uma reunião com banqueiros na Febraban, a associação dos bancos. À época, disse que queria deixar bem claro que as instituições financeiras sairiam perdendo caso ele fosse eleito, porque "já ganharam muito". Também ameaçou taxar o lucro dos bancos. "Eles não podem ter o lucro que têm. Pegam dinheiro na caderneta de poupança e emprestam no cheque especial." E ainda reforçou que é contra um Banco Central independente. "O setor financeiro acha que ele é meio Collor", diz um executivo de um banco de varejo. Por meio Collor entenda-se que o político seria capaz de tomar atitudes heterodoxas como foi o confisco da poupança. Esse mesmo executivo diz que é certo que se o Garotinho subir nas pesquisas, o mercado vai cair. Seria um repeteco do drama vivido em 2002, quando a eleição ofuscou bons fundamentos do país e provocou uma disparada do dólar que bagunçou a vida das empresas, afetou a inflação e a confiança do investidor. Em 2002, toda aquela volatilidade foi imputada ao medo de um governo do PT.

Dessa vez, ele aceita dar palestra em banco

A verdade é que o mercado financeiro precisa de volatilidade. É de altos e baixos que sai boa parte da rentabilidade das instituições financeiras. Não que elas desejem o caos. Mas mercados estáveis demais não geram grandes oportunidades de ganhos. E nada como uma eleição em um país emergente e com uma relação dívida/PIB superior a 50% para gerar volatilidade. Garotinho quer evitar que as rusgas com o mercado financeiro acabem se transformando em uma chantagem contra sua candidatura. Por isso é que vem se demonstrando mais aberto a debater suas idéias para a economia com os bancos. Não que tenha alterado o teor de seu discurso. Em entrevista recente à revista da Câmara Internacional de Pesquisas e Integração Social (Cipes), voltou a reforçar que é preciso mudar o eixo de concentração de riqueza do país do mercado financeiro para o sistema produtivo. Mas, dessa vez, Garotinho já aceita convite para dar palestra em instituição financeira. Em um banco de investimento, disse que a dívida interna é grande, tem custo alto e perfil ruim e precisa ser repactuada. Corrigiu um interlocutor, que citou reestruturação da dívida, algo que ele considera decisão unilateral. Pactuação, para o secretário, pressupõe algo de comum acordo. Como se fosse possível negociar isso com o mercado financeiro sem gerar turbulência. "Pode não se concordar com a idéias dele, mas Garotinho articula muito bem as idéias e tem uma excelente capacidade de comunicação", diz um executivo que assistiu a uma das palestras. É essa comunicabilidade, associada a uma legenda forte como o PMDB e a um tempo maior de TV, que gera medo no mercado financeiro. Empresas, preparem-se. O calendário eleitoral foi antecipado, a liquidez externa deve diminuir com a desaceleração mundial da atividade econômica e vem mais volatilidade pela frente.