Título: Golpismo de resultados é a estratégia da hora
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2005, Política, p. A4

Lula não é Collor. Por isso mesmo é que as oposições estão dispostas a terminar com seu governo. Ao contrário da expectativa dos derrotados na eleição de 2002, e não obstante as dificuldades encontradas pela nova administração, ao final do primeiro ano de governo Lula não estava desmoralizado nem o país era visto no exterior como um descalabro em progresso. Os indicadores relevantes apresentavam sinais de substancial melhoria e a firmeza na condução das políticas centrais do governo gerou a queda mais ou menos contínua do risco país e a retomada do ingresso de capitais externos não especulativos. A despeito das denúncias mensais de escândalos de bolha de sabão, e dos equívocos reais, alguns na área da saúde, outros na área de previdência, e ainda terceiros em razão da novidade dos programas - a integração e universalização do programa bolsa família é um exemplo claro aqui - a percepção popular, ao final do segundo ano de mandato, continuava a aceitar como boa a explicação de que os obstáculos herdados existiam de fato, os erros reconhecidos, e medidas corretivas tomadas sempre que aberrações administrativas eram identificadas. Por fim, a ridicularizada declaração do presidente de que o Brasil iria assistir ao espetáculo do crescimento deu de parecer verdadeira. Há oito anos a população andava intimidada pelo mito de que o crescimento era algo satânico e que as transformações dos passados 50 anos - a indústria instalada, a modernização tecnológica do campo, a sofisticação relativa dos serviços - tudo fora uma ilusão perversa. Nunca se odiou tanto o crescimento econômico. E eis que o demônio ameaçava ressurgir para alegria consumista do populacho e desgosto dos técnicos, abarrotados de previsões fracassadas, resultados positivamente surpreendentes e teorias imprestáveis. Toda semana, inclusive nesta, há recordes para todos os paladares. Não há jeito: o Brasil vai bem. Que, finalmente, os índices da popularidade presidencial continuassem elevados, apesar da barragem da propaganda a respeito de como tudo estava sendo mal conduzido, foi demais. No mesmo ritmo, adeus 2006. O governo Lula pode ser interrompido por impedimento, por inoperância legislativa ou por capitulação. Nenhum contingente da oposição deixará de adotar qualquer uma das vias, desde que a oportunidade se apresente. São golpistas de resultados, não por princípio ou ideologia. Por isso negam o propósito enquanto se utilizam dos métodos. Protestarão surpresa, caso venha a ocorrer a primeira hipótese.

Oposições buscam acabar com o governo Lula

Como já dizem os juízes de primeira instância, a crônica, o julgamento do governo é político, e não importa saber se as acusações procedem ou não procedem. Cuide, portanto, o presidente Luiz Inácio, que, de acordo com a doutrina democrática da opinião escrita, sua permanência no palácio depende das condições políticas que forem criadas, não da veracidade ou falsidade das acusações de que seu governo repete o mar de lama de Vargas. À falta de condições políticas para operar o impedimento do presidente, busca-se paralisar seu governo. Não é difícil, na conjuntura, dada a coincidência de eventos favoráveis ao golpismo de resultados. Mas, sobretudo, por conta do primarismo dos operadores parlamentares do governo, além da insensibilidade do próprio Executivo diante da estratégia oposicionista. Sufocar a Câmara com medidas provisórias, tentar romper ritos intocáveis, como no episódio da presidência das duas casas do Congresso, subordinar o processo decisório do governo à rude competição por influência dos candidatos a candidatos na política paulista, convenhamos, não são manifestações inteligentes. No melhor dos mundos, o escândalo que, finalmente, pegou, pode viabilizar uma primeira grande sacudida nas estranhas relações entre o privado e o público. Não será ainda desta vez, com certeza, que se esmiuçará o preço pago em instabilidade política pela permanente dependência dos órgãos de informação em relação aos bancos e propaganda oficiais. Muito menos se aventará a possibilidade de que, tal como os políticos com cargos nos três poderes, os proprietários de jornais e televisões exponham regularmente as respectivas declarações de bens, iniciativa sugerida pelo jornalista americano James Fallows. Mas alguma coisa pode ser feita, desde que o fim de dar uma faxina no Estado não se transforme em meio de acabar com o governo. Da capitulação falo em outro artigo.