Título: Investigação ameaça investimento na marca
Autor: Marta Watanabe, Daniela D´Ambrósio e Arnaldo Galvã
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2005, Especial, p. A16

Desde que incitou os consumidores a experimentar a sua cerveja em uma estrondosa campanha, no final de 2003, a Schincariol nunca mais foi a tímida empresa de Itu. Sua trajetória, a partir de então, foi pautada pelos holofotes. Protagonizou - nas telas, nas gôndolas e até na Justiça - uma das maiores disputas do mercado com a concorrente AmBev. Nesse período, a cervejaria fez um dos mais fortes trabalhos de construção da marca, que podem estar ameaçados com o escândalo. Só em marketing foram investidos R$ 300 milhões entre 2003 e 2004 e a previsão era de mais R$ 280 milhões para este ano. Segundo ranking do Ibope Monitor e Projeto Intermeios, saiu da vigésima posição no ranking dos anunciantes em 2003 para a décima quinta no ano passado. Mas além de divulgar a marca junto ao consumidor, a Schincariol fazia, paralelamente, um trabalho institucional para conferir mais respeito à companhia, citada nos bastidores como sonegadora de impostos. De capital fechado, a Schincariol passou a divulgar balanços, embora não tivesse essa obrigação. Chegou a encomendar um estudo sobre o que chamou de distorções no sistema tributário - pleiteando a tributação do IPI de acordo com o valor unitário do produto - e o encaminhou à Receita Federal. A AmBev contestou o estudo com outro parecer favorável ao regime em vigor, dizendo que a mudança do sistema facilitaria a sonegação. O estudo foi elaborado pela BDO Trevisan, que também auditou o balanço da Schincariol No parecer do balanço de 2004, a Trevisan destaca no seu parecer que não teve acesso a duas empresas controladas pelo grupo. Procurada, a BDO Trevisan não concedeu entrevista. A companhia registrou um crescimento acelerado desde 2000. Em cinco anos, a Schincariol saltou de duas para nove fábricas - incluindo as duas plantas previstas para serem concluídas este ano (no Pará e Mato Grosso do Sul). Sua receita atingiu R$ 2,54 bilhões em 2004, 58% acima do ano anterior. A receita líquida teve aumento de 48,6% e o lucro operacional foi a R$ 82,9 milhões ante prejuízo de R$ 12,2 milhões no ano anterior. Na época, o fato de a empresa não ter divulgado a última linha do balanço - o lucro líquido - causou estranheza. Na divulgação do balanço, a empresa anunciou ainda o pagamento de R$ 1,1 bi em impostos em 2004, um crescimento de 69,7% sobre 2003, segundo a companhia. Para este ano, a previsão era de investimentos de R$ 600 milhões entre marketing, novas fábricas e inovação. Em 2004, a Schincariol produziu 1,9 bilhões de litros entre cerveja (responsável por 75% do volume), refrigerante, água e suco. A expectativa era chegar ao final de 2005 com uma capacidade produtiva de 3 bilhões de litros. A Schincariol foi tida como o grande "case" do mercado cervejeiro em 2004. A empresa conseguiu alcançar a segunda posição do mercado - lugar antes ocupado pela Kaiser - e incomodar a gigante AmBev. Saiu de uma participação de mercado de 11% em 2003, chegou a alcançar 15,3% no auge da campanha "Experimenta" e segundo leitura A/C Nielsen de abril deste ano, a cervejaria tinha uma fatia de 12,5%. A grande pergunta que paira no ar: a empresa sobrevive a um golpe dessa magnitude. E a marca, recupera arranhões tão profundos, mesmo com fortes investimentos? É consenso no mercado que a Schincariol perderá uma fatia importante das vendas, principalmente porque a distribuição deve ser profundamente afetada. Para fontes do mercado cervejeiro, os problemas aparecerão com evidência ao final de quatro meses. "Com o pagamento de multas e o fim da sonegação, o preço no ponto-de-venda deve subir e pode faltar produto, uma combinação fatal para o setor de bebidas", afirma fonte. "A empresa terá que ser totalmente reestruturada para trabalhar dentro da lei", diz outra fonte do segmento. O clima entre os empregados também deve ser fortemente afetado depois da prisão dos executivos, na avaliação do mercado. Em entrevista recente ao Valor, Adriano Schincariol, superintendente da companhia, afirmou que a empresa estava se expondo demais, inclusive na divulgação de números e que queria voltar a adotar o estilo mais "low-profile" de três anos atrás. Não conseguiu. (DD)