Título: O curioso/raro lobby pelo dinheiro "limpo"
Autor: Sérgio Leo
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2005, Brasil, p. A2

Nesses tempos de denúncias sobre supostas malas de dinheiro transacionadas em acertos eleitorais, chega a ser divertido acompanhar um lobby às claras, com argumentos sólidos e tranqüilidade de espírito. Foi o que fez o embaixador da Austrália no Brasil, John Sullivan, em discurso no almoço de despedida oferecido a ele pelo Itamaraty, a poucos dias de voltar a Sidney. No encerramento de seus três anos no país, o simpático Sullivan, cujas feições lembram vagamente às de James Joyce, disse, frustrado, ainda ter esperança de que o governo brasileiro anuncie a decisão de imprimir mais cédulas de plástico, como as notas de dez reais impressas em comemoração aos 500 anos do descobrimento. Se houver a opção pelo plástico (ou polímero, como preferem os especialistas), a empresa responsável pelas notas de dez, a Securancy, promete investir no país US$ 50 milhões, para uma fábrica de matéria-prima. Caso contrário, a empresa, associação entre a belga UCB e o Banco Central da Austrália, poderá instalar-se no México, informou o embaixador com uma clareza nada joyceana. A fábrica empregaria umas cem pessoas e produziria 15 mil toneladas do polímero por ano, para uso em cédulas, papéis de segurança (documento de identidade, passaportes) e exportação a toda a América Latina. A Securancy sonha com pelo menos uma parte do mercado representado pelas 1,2 bilhão de cédulas trocadas anualmente, a um custo em torno de US$ 10 milhões. Concorre com o atual fornecedor de papel-moeda ao governo, a indústria Papel de Salto, associação entre a européia Arjo Wiggins e a Votorantim, de Antônio Ermírio de Moraes. Outros grandes produtores de papel também cobiçam o mercado brasileiro e sul-americano, e, como a Arjo Wiggins, já há alguns anos ofereceram à Casa da Moeda, para teste, um papel mais resistente, como resposta a um dos principais argumentos em defesa da cédula de polímero, sua maior durabilidade. O governo, que anunciava a decisão para 2004, faz segredo sobre o assunto, embora o Banco Central tenha praticamente concluído a nova família de cédulas, com figuras de vultos históricos e maior segurança contra falsificação, para substituir a atual coleção do real, lançada de afogadilho, como solução provisória. "Fui ao Ministério da Fazenda, me disseram para falar com o Banco Central; no banco, me disseram que era assunto da Fazenda", dizia um desalentado John Sullivan, na sexta-feira. Entre as explicações oficiosas para a forma evasiva como o governo lida com o assunto, estão a contenção de despesas na Casa da Moeda, que retarda os investimentos para a nova família de notas; e nebulosas motivações eleitorais, que adiariam para 2006 o lançamento dos novos reais. O novo embaixador australiano herda esse lobby, legítimo, apesar de envolver pilhas de dinheiro.

Empresa promete investir no Brasil

O lobby defende que as notas de plástico são mais higiênicas, menos porosas, até laváveis. São mesmo, mas infelizmente, não o suficiente, como demonstrou uma pesquisa recentemente mencionada pelo clínico e livre-docente Mário Cândido de Oliveira Gomes, para o site bioSaúde.com.br: embora em menor grau que nas cédulas de papel, as de plástico também trazem estafilococos e os chamados coliformes fecais, capazes de provocar, nos menos cuidadosos, doenças como piodermites, terçol, otites, sinusites e até faringites. É triste, mas uma certeza: não existe dinheiro limpo, embora uns sejam mais sujos que os outros. Dirceu e política externa Ao sair do governo, o demitido ministro José Dirceu leva, com ele, um foco potencial de ambigüidade na política externa. Chegado, há poucos dias de uma viagem à Espanha e Portugal, onde esteve com autoridades, empresários e até artistas, Dirceu já preparava uma nova visita aos Estados Unidos, para representar o governo Lula em encontros com autoridades americanas, como fez em 2002 e logo após a reeleição de George Bush, quando marcou presença com a secretária de Estado americana, Condoleeza Rice. Rice falou, por telefone, na semana passada, com o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. Não tocou na crise que derrubou Dirceu. Diz-se agora, no governo, que as viagens respondiam mais a um projeto do chefe da Casa Civil para ganhar trânsito internacional que a uma necessidade real do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.