Título: Governo quer desvincular 40% das receitas
Autor: Claudia Safatle e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2005, Brasil, p. A4

Contas Públicas Proposta em discussão prevê dobrar o percentual em um prazo entre cinco e seis anos

A proposta de emenda constitucional (Pec) que pretende criar um novo regime fiscal para os próximos anos prevê, na versão preliminar, um aumento progressivo da Desvinculação das Receitas da União (DRU), dos atuais 20% para até 40% das receitas totais do orçamento em cinco a seis anos. A Pec congelaria, em valores reais, os gastos com custeio daqui por diante e, apesar de dobrar o percentual da desvinculação de receitas, o governo se comprometeria em manter também em valores reais as destinações de recursos "carimbados" para educação, saúde e outras áreas consideradas prioritárias. A partir de um aumento do esforço fiscal, o governo Lula adotaria como principal meta zerar o déficit nominal ao final de um período de cinco a seis anos. Essa é uma forma de garantir que a relação dívida líquida do setor público/Produto Interno Bruto (PIB) será cadente, baixando ao final desse período para a casa dos 40% do PIB, em comparação com o patamar atual, de cerca de 51,3% do PIB (projeção para o final do ano). Essas questões foram discutidas com o presidente da República em reunião com os ministros da área econômica na noite de quarta-feira. Lula ainda não bateu o martelo sobre a proposta nem ela está totalmente formatada. O grande desafio para o governo é articular politicamente uma emenda constitucional dessa natureza e obter apoio, inclusive, da oposição, num momento de grande fragilidade do governo e do Congresso Nacional. Paralelamente, seria uma iniciativa engenhosa do Executivo para, senão substituir, pelo menos repartir a agenda legislativa dos próximos meses entre as investigações de corrupção e um projeto de política econômica de mais longo prazo, que transcende ao primeiro mandato de Lula. O maior atrativo da proposta é a possibilidade que um esforço fiscal mais robusto cria para o Banco Central. No novo regime fiscal, o BC pode reduzir mais rapidamente a taxa básica de juros. Por trás da iniciativa do governo de tentar colocar em pé um novo "mix" de política macroeconômica - mais fiscal e menos monetária -, está o reconhecimento de que a distribuição atual de tarefas entre as diversas políticas, "bateu no teto", atesta uma qualificada fonte do Ministério da Fazenda. Os juros foram às alturas, levando a taxa de câmbio a uma boa valorização, ao mesmo tempo em que derrubou o nível de atividade, trazendo os índices de inflação para baixo. Encerrado o processo de elevação da Selic, corre-se o risco de "a cobra morder o rabo", na expressão de uma outra fonte. Ou seja, os juros caem, o câmbio se desvaloriza e as pressões inflacionárias voltam, exigindo nova resposta da política monetária, portanto, mais elevações de juros. Essas são considerações e receios que dependem do nível real da taxa de câmbio, do aquecimento da atividade e do grau de abertura da economia. Razão pela qual discute-se, simultaneamente às medidas fiscais (que a rigor representam uma redução da demanda mediante queda do gasto público), uma nova rodada de diminuição de tarifas de importação. O economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC, fez um cálculo sobre o aumento do superávit primário requerido para zerar o déficit nominal nos próximos anos. Simulou uma redução gradual da taxa de juros real, de 13,5% este ano para 12% em 2006, chegando a 8% em seis anos, e uma taxa de crescimento do PIB de 3,5% ao ano. Um superávit primário de 5,86% em 2006 já derrubaria o déficit nominal para 0,06% do PIB no ano que vem. A partir desse pico, os superávits demandados seriam declinantes, chegando a 3,82% do PIB em 2010 e 2,85% em 2015, mantendo o equilíbrio nominal. Para o governo, o mais factível é obter uma redução mais acelerada dos juros reais e, assim, ter que produzir um superávit primário maior do que os 4,25% do PIB, mas não tanto quanto o calculado por Freitas. Cálculos preliminares, que sustentam a viabilidade da proposta de zerar as contas nominais, indicam que juros reais de 6% reduziriam em cerca de R$ 50 bilhões as despesas com encargos da dívida pública. Recursos que poderiam se transformar parcialmente em investimentos e ainda permitir a redução da carga tributária, argumentam fontes oficiais.