Título: O desafio neoliberal europeu
Autor: J. Bradford DeLong
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2005, Opinião, p. A15

Política monetária do continente precisa auxiliar o crescimento de empregos

Há mais de 20 anos, venho argumentando que as elevadas taxas de desemprego na Europa Ocidental são insustentáveis. No fim da década de 1970, os monetaristas apostavam que apenas um transitório e moderado crescimento do desemprego poderia conter a lenta - e galopante - inflação no Ocidente industrializado, e que, retrospectivamente, o custo de um retorno a uma efetiva estabilidade de preços seria julgada válida. No Reino Unido e nos EUA, essa aposta monetarista deu certo. Na Europa Ocidental, não. No curso dos últimos 25 anos, na Europa, o desemprego cresceu ao mesmo tempo em que houve um aperto de política monetária e os juros foram aumentados para combater a inflação. Mas depois que a inflação sucumbiu, o desemprego não caiu - ou não caiu muito. Ainda que o desemprego não estivesse fixo em nível comparável ao da Grande Depressão, permaneceu suficientemente elevado para tornar o desemprego de longo prazo, ou o temor de desemprego de longo prazo, uma experiência marcante. Sociedades nas quais a taxa oficial de desemprego ficam em 10% ou mais durante gerações, são sociedades nas quais o gerenciamento econômico governamental fracassou. Assim, durante 20 anos pareceu-me que o equilíbrio político subjacente à Europa Ocidental - mediação do Estado em negociações trabalhistas e amplo seguro social, de um lado, e políticas de aperto monetário, de outro - teria que ser rompido. Temores geminados parecem estar paralisando as autoridades econômicas européias. Os presidentes de bancos centrais europeus temem que seus cartolas políticos ordenem que afrouxem a política monetária, que as reformas estruturais necessárias para liberar oferta agregada não ocorram em breve e que o resultado disso seja um retorno à inflação da década de 1970. Em suma, eles temem que todos os sacrifícios feitos em nome da estabilidade de preços tenham sido em vão. Os políticos da Europa Ocidental, por seu turno, temem o desfecho oposto. Eles receiam que mesmo depois de implementar reformas estruturais para reduzir a atratividade de seguro-desemprego e ampliar a capacidade de os trabalhadores irem para onde há empregos, e das empresas de ir para onde há trabalhadores, os presidentes de bancos centrais continuem a insistir em aperto monetário. Em síntese, eles temem que, na ausência de expansão de produção ou emprego, o efeito líquido seja simplesmente um aumento da pobreza. Evidentemente, esses temores são acompanhados pela esperança de que reformas estruturais e expansão monetária operem em harmonia, ampliando substancialmente o emprego e a produção sem provocar grande alta na inflação. Mas a realidade é que passos rumo a políticas monetárias mais frouxas são inexistentes - especialmente tendo em vista a ansiedade do jovem Banco Central Europeu (BCE) de estabelecer sua credibilidade no combate à inflação - e que os passos rumo a reformas estruturais são apenas tentativas hesitantes e pequenas. Durante 20 anos estive errado: as políticas da Europa Ocidental permaneceram estáveis, a despeito da exclusão de uma grande proporção de cidadãos de participação significativa em boa parte da vida econômica. As economias da Europa Ocidental continuaram a crescer - embora não tão rapidamente quanto poderiam - apesar de arcarem com o pesado fardo de um desemprego de pelo menos 10% da mão-de-obra. Agora, porém, parece que finalmente posso ter razão - ou pelo menos ter razão para preocupações, se não para pânico. Os franceses rejeitaram a Constituição da União Européia (UE), fundamentalmente - ou, ao menos, assim parece - porque uma ampliação da integração européia, teme-se, trará obrigatoriamente em sua esteira os enormes custos e turbulências do neoliberalismo.

Políticos da Europa Ocidental temem que, na ausência de expansão de produção, o efeito líquido seja somente um aumento da pobreza

Uma coisa é apoiar o "projeto europeu" quando a idéia é unir a Alemanha tão intimamente à França que nunca mais alguém pense valer a pena guerrear para decidir qual idioma será falado na Alsácia-Lorena. Outra coisa é quando o projeto europeu sinaliza que os trabalhadores franceses irão defrontar-se com a concorrência de encanadores poloneses, agricultores romenos e atendentes turcos. Na Alemanha, o eleitorado parece a postos para despachar o premiê Gerhard Schröeder, devido ao descontentamento com sua morna fidelidade ao projeto neoliberal. O problema é que o eleitorado, então, terá quatro anos de comando nas mãos de uma premiê, Angela Merkel, cujo compromisso em relação ao projeto neoliberal é quase tão forte quanto o meu. Julgo que a Alemanha estaria melhor daqui a uma década sob mais políticas neoliberais. Mas não parece ser isso o que o eleitorado alemão deseja, e isso torna imprevisível o cenário da política alemã daqui a quatro anos. A tudo isso vem se somar o descontentamento da Europa Setentrional com os presidentes de bancos centrais, especificamente com o BCE e o euro. Não que o fim da União Monetária Européia (UME) esteja na agenda; trata-se, simplesmente, de que as pessoas começaram a pensar num futuro em que existirá uma pequena probabilidade de o fim da UME ser inserido na agenda. Isso é suficiente para abalar os preços de ativos em todo o mundo. As conquistas da Europa Ocidental desde o fim da Segunda Guerra Mundial estão entre as mais animadoras e notáveis histórias de sucesso na história mundial. Todos deveriam querer que a atual Europa indivisa continuasse a progredir, e não que um elevado desemprego durante gerações venha a colocá-la em risco. Mas isso demandará uma mudança na atitude do BCE. A Europa precisa de uma política monetária que considere mais importante auxiliar no crescimento do emprego na Europa Setentrional do que a estabilidade de preços continental. Haverá, afinal de contas, inflação na Europa Meridional e Oriental - e terá de haver, pois à medida que regiões se desenvolvem e se industrializam, seus termos de troca devem melhorar e, sob uma união monetária, inflação regional será a expressão disso. O BCE deveria não tentar equilibrar inflação no Sul e Leste com deflação no Norte com a finalidade de atingir metas artificiais para o continente como um todo.