Título: Fantasma da censura
Autor: Almeida, Daniela; Prates, Maria Clara
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2010, Brasil, p. 8

flerte com o totalitarismo

Recomendações do PNDH abrindo espaço para que imprensa sofra fiscalização, multas, penalidades e até cassação de licença foram duramente criticadas e causaram espanto

As recomendações do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) para que a imprensa sofra fiscalização, penalidades, multas e até mesmo a cassação de licenças (caso de emissoras de rádio e TV), causaram espanto e mobilização entre associações representativas. Por seu papel de denúncia e muitas vezes de oposição, historicamente a imprensa é um dos órgãos que mais sofrem tentativas de censura. Recentemente, vários casos de fechamento de empresas de mídia e de perseguição a empresários da comunicação foram registrados em países da América Latina com regimes de democracia parcial, como a Venezuela. Mas essa realidade é rara em regimes democraticamente estáveis, como o brasileiro.

Na terceira reportagem do especial sobre o PNDH, especialistas apontam uma série de inconstitucionalidades no programa. Para os juristas, o texto fere o artigo 220 da Constituição brasileira, o qual reza que nenhuma lei pode comprometer a liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. Isso porque o PNDH sugere alterar o artigo 221 da Constituição, condicionando a outorga e a renovação ao alinhamento da mídia com o programa e prevendo penalidades como multa, suspensão da programação e cassação, caso as empresas não respeitem os conceitos de direitos humanos estabelecidos pelo PNDH.

Maturidade

De acordo com o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP Martin de Almeida Sampaio, em uma democracia republicana moderna, o controle da imprensa é feito em primeira instância pelo leitor, que abandona o veículo quando percebe desvios na conduta jornalística, e em segunda instância pelo Judiciário. O jornalismo brasileiro tem maturidade. Todas as vezes em que vimos algum desvio, aquele que se sentiu atacado recorreu à Justiça. A liberdade de imprensa precisa ser regulamentada, mas não censurada. A Constituição é clara no direito da honra. Se sou prejudicado, pleiteio o que é meu de direito.

Com a derrubada da lei de imprensa, em abril do ano passado, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acadêmicos e estudiosos do assunto reclamam a falta de legislação para o tema. Editada em 1967, durante a ditadura militar, o texto previa inclusive a prisão de jornalistas. Com a revogação da lei, a mídia passou a ser julgada pelos códigos Civil e Penal, e pela Constituição. Para Paulo Roberto Cardoso, mestre em direito pela UFMG e doutorando em filosofia do direito, o PNDH se aproveita de uma ausência de controles na tentativa de tentar impor um controle ideológico. Com jornais e jornalistas sob o controle do Judiciário, acontecem episódios de veículos submetidos a censura judicial. O ideal é que o Legislativo votasse uma lei democrática de imprensa. A situação atual é a judicialização da política. Mas o controle ideológico é tão nocivo ou mais que a Lei de Imprensa da ditadura.

Outra recomendação polêmica do PNDH é a de suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos direitos humanos. Na prática, a medida se traduz na censura econômica à mídia. É uma tentativa de asfixiar os jornais, avalia o advogado especialista em direito da comunicação, Manuel Alceu Affonso Ferreira. O perigo disso tudo é que o programa está em um decreto presidencial. Basta haver a mobilização do governo e da bancada governista no Congresso para essa matéria passar pelo Legislativo.

Mesmo entre parlamentares da base governista a polêmica em torno do tratamento dedicado ao tema imprensa no PNDH é a mesma. Na semana passada, o senador Aloisio Mercadante (PT-SP), contou em sua página no Twitter que, ao participar de audiência pública no Senado ao lado do ministro Paulo Vannuchi, fez questão de registrar: O controle social e democrático dos meios de comunicação é o leitor nos jornais, o ouvinte nas rádios e os telespectadores nas TVs. Mercadante ponderou ainda que, apesar de considerar injusta a oposição de alguns veículos em relação ao governo, é imprescindível que eles existam.

Mas, talvez, o ponto mais contundente do PNDH em relação à mídia seja o estabelecimento de critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de direitos humanos, assim como os que cometem violações. Segundo Ricardo Pedreira, diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), a criação do ranking afronta a liberdade de expressão, pois funciona como a criação de uma cartilha. Se você não reza de acordo com essa cartilha, corre o risco de ser punido.

Debate

Para Sampaio, o ranking estabelece categorias, logo, afere valores. E o problema dos valores, caso não sejam atingidos, pode resultar em censura. Você cria um alinhamento natural ao governo. Quem deve gerar esse ranking é a própria população. Essa é uma forma policialesca de tentar censurar. Um centro de poder estabelecido fora das instituições.

Por meio de nota oficial, divulgada em janeiro, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) manifestou seu apoio ao programa. De acordo com a Fenaj, o PNDH é resultado de uma conferência nacional e do debate público e democrático de diversos segmentos da sociedade, constituindo-se em significativo avanço para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil. O argumento de representatividade, no entanto, é rebatido por Sampaio. Ele questiona ainda a definição de direitos humanos colocada pelo PNDH. Que definição é essa de direitos humanos? Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, o programa foi discutido com 14 mil pessoas. Isso é representativo em um país com milhões de habitantes? Questiono esses movimentos que estavam presentes e quem eles representam. E a reação imediata da sociedade demonstra isso. Essa amplitude do programa que discute desde a revisão da anistia até tributação muda a natureza de um plano que são ideias e princípios a determinações programáticas de um modelo de governo.

Direitos humanos

DECRETO Nº 7.037, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2009

Diretriz 22: Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em Direitos Humanos.

Objetivo Estratégico I: Ações Programáticas: a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas. Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Ministério da Cultura

Recomendações:

Recomenda-se inserir a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados na discussão sobre outorga e renovação de concessões públicas.

Recomenda-se ao Ministério Público assegurar a aplicação de mecanismos de punição aos veículos de comunicação, autores e empresas concessionárias.

b) Promover o diálogo com o Ministério Público para proposição de ações objetivando a suspensão de programação e publicidade atentatórias aos Direitos Humanos. Responsáveis: Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

c) Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos Direitos Humanos. Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça

d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações. Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República; Ministério da Cultura; Ministério da Justiça.