Título: Os danos morais por acidente de trabalho
Autor: Alfredo Divani e Pedro Bicudo
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Sob a égide da Constituição vigente, as ações de acidente do trabalho devem continuar a ser processadas na Justiça estadual"

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, que estabeleceu a reforma do Judiciário, os Tribunais de Justiça (TJs) estaduais houveram por bem determinar a remessa dos autos das ações de indenização por acidente do trabalho para a Justiça trabalhista. Isso porque a emenda modificativa ampliou a redação do artigo 114 da Constituição Federal, acrescentando, entre outros, seu inciso VI, e assim determinando serem de competência do foro laboral "as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho". Entretanto, o artigo 109, inciso I da Constituição Federal, que fixa a competência da Justiça Federal e que não foi modificado pela emenda, sempre segregou expressamente em seu texto originário as ações de acidentes de trabalho daquelas que competiriam à Justiça do Trabalho, na clara intenção de excluir tais processos do âmbito da Justiça laboral. Tal interpretação é confirmada em diversos julgados, notadamente no Recurso Extraordinário nº 345.486/SP, no Recurso Extraordinário nº 349.160-1/BA e no Conflito de Competência nº 32.017/MG. E essa distinção é absolutamente condizente com a sistemática legal e processual brasileira, principalmente se examinada à luz dos artigos 186 e seguintes e 927 do Código Civil, que constituem o embasamento legal para a propositura das ações de indenização por acidentes de trabalho. É primordial ter-se em conta que, nas ações de acidente do trabalho, se discute exclusivamente responsabilidade aquiliana por ato ilícito, sendo irrelevante o fato de haver relação de trabalho subjacente, uma vez que para nascer a obrigação de indenizar basta estarem presentes a culpa, o nexo causal e o dano - e nada mais. O fato de determinado indivíduo (que pode, inclusive, nunca ter sido empregado da ré) ter sofrido um acidente dentro do estabelecimento empregador não tem o condão de transformar, espontaneamente, a questão em relação de trabalho. Logo, a ação de responsabilidade civil por ato ilícito, consubstanciada na ação de indenização por acidente do trabalho, tem fundamento exclusivo no Código Civil e na reparação de ato ilícito, que em nada se confunde com as atribuições da Justiça trabalhista. O intuito claro da Emenda Constitucional nº 45 foi incluir na competência trabalhista as ações de indenização por danos materiais e morais relacionados intrinsecamente com a relação de trabalho, tais como a reparação de danos causados à imagem do empregado nos casos, por exemplo, de demissão por justa causa imotivada e outras cujo objeto é permeado pelo liame laboral. Inclusive, o projeto de lei que deu origem à emenda contemplava expressamente a competência da Justiça trabalhista para o julgamento das ações de acidente do trabalho, havendo, ainda, uma clara distinção entre tais ações e as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho.

O Supremo parece estar convencido de que a Emenda Constitucional nº 45 não trouxe nenhuma inovação neste sentido

Aludido projeto, então sob a relatoria da deputada federal Zulaiê Cobra, previa uma nova numeração de diversos artigos da Constituição, de modo que o artigo 115 passaria a vigorar com a seguinte redação: "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: IV - as ações relativas a acidente de trabalho, doença profissional e de adequação ambiental para resguardo da saúde e segurança do trabalhador; VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho." Note-se, assim, que o legislador constitucional reformador, ao aprovar o texto da emenda constitucional, expressa e voluntariamente retirou da competência da Justiça trabalhista as ações de indenização por acidente do trabalho, rejeitando a redação dada pela deputada federal Zulaiê Cobra, que propugnava pela inclusão. Por conseguinte, resta claro que, sob a égide do texto constitucional ora vigente e com o exame mais detalhado do artigo 109 da Constituição Federal, e tendo em vista as modificações ao projeto de lei apresentado pela deputada federal Zulaiê Cobra, as ações de acidente do trabalho devem continuar a ser processadas perante a Justiça estadual. O Supremo Tribunal Federal (STF) parece estar convencido de que a Emenda Constitucional nº 45 não trouxe nenhuma inovação neste sentido, tanto que reconheceu, recentemente e já sob o novo texto constitucional, a competência da Justiça estadual, conforme o julgamento do Recurso Extraordinário nº 438.639/MG, ainda não relatado. De qualquer maneira, é importante lembrar que a matéria ainda pode ser levada à apreciação do pleno do Supremo, hipótese em que pode sofrer reviravoltas. Igualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a competência da Justiça estadual nesses casos mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 45, como se observa da decisão proferida no Conflito de Competência nº 48.858/SP. Quer nos parecer, assim, que a questão está no rumo de se reconhecer a competência da Justiça estadual para o julgamento das ações pleiteando indenização por acidente do trabalho.