Título: Governo está na pista certa ao querer zerar o déficit nominal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2005, Opinião, p. A12

O governo parece caminhar na direção de uma saída para o impasse criado pela política de juros altos e câmbio valorizado, cujo resultado tem sido a progressiva desaceleração da economia, agora, e um possível arrefecimento da capacidade exportadora, mais à frente. A mudança do mix da política econômica rumo a uma maior participação de seu lado fiscal tem sido recomendada por economistas de várias tendências, e faz sentido. O momento político, porém, é péssimo, e não é certo que medidas racionais em um ambiente carregado por denúncias de corrupção e interesses eleitorais possam prevalecer. Há um esboço avançado de medidas que já foi discutido com o presidente da República na quarta-feira. A idéia central é tentar desta vez zerar o déficit nominal, que inclui juros, em um prazo de cinco anos ou mais. Os instrumentos que poderiam auxiliar a que esta tarefa seja viável seriam o aumento da desvinculação das receitas do Orçamento, que amenizaria o engessamento de mais de 80% dos recursos disponíveis. A parcela da DRU atual, de 20%, ou cerca de R$ 63,3 bilhões em 2005, poderia ser elevada para até 40%, como informou o Valor em sua edição de ontem. Como o esforço fiscal é inédito e precisa ser vigoroso, ele seria ainda acompanhado por uma redução razoável do número de ministérios, um corte drástico nos mais de 20 mil cargos de confiança existentes e o congelamento dos gastos de custeio, que vem se expandindo com alguma força na gestão de Lula. Não há dúvidas de que todos esses ingredientes têm o poder para desagradar a todos os que se opunham à ortodoxia da equipe econômica, como alas do partido governista, e a ferir interesses variados no Congresso. Parte desses objetivos requer o envio ao Congresso de uma Proposta de Emenda Constitucional, em especial a DRU. Eleito em grande parte pelo apelo de sua política social, o governo sabe que corre grandes riscos com a a ampliação da DRU em detrimento dos gastos com educação e saúde em um país com uma das piores distribuições de renda do mundo. Ainda que às custas de uma rigidez orçamentária cada vez maior, que vai se tornando insustentável, a obrigatoriedade vigente permitiu, de certa forma, a melhoria dos indicadores sociais e a ampliação do acesso da população à educação básica. Um dos grandes problemas é que, sem aumento da DRU, toda elevação de receitas se converterá automaticamente em gasto, independentemente de sua qualidade ou necessidade. Para contornar essa armadilha, os economistas do governo estão propondo que se mantenha em termos reais, ou seja, corrigidas pela inflação, as despesas nessas áreas. A situação seria distinta nos gastos de custeio. Eles seriam congelados, no período em que se busca a zeragem do déficit nominal. Dessa forma, o governo estaria respondendo às críticas correntes de que tem praticado um receituário incoerente, ao jogar na retranca com os investimentos e, ao mesmo tempo, soltar as amarras dos gastos correntes da máquina administrativa. As chances teóricas de um pacote de medidas como esse dar certo é grande. Nunca o déficit nominal foi tão baixo na história recente como em 2004 - -2,48% do Produto Interno Bruto. Mesmo assim, a carga de juros reais é extravagante, mais de 13% ao ano, o que se expressa na conta de R$ 138,18 bilhões nessa rubrica nos últimos 12 meses. Para reduzir a proporção da dívida líquida em relação ao PIB sem zerar o déficit nominal, deveria haver um crescimento acelerado do PIB e a manutenção do superávit primário atual, de 4,25% ao ano. A própria política de juros altos do governo mata esta possibilidade e inverter os termos da equação parece razoável. Para isso, os juros reais, na presença de um esforço mais sério e dedicado de controle de gastos, poderão - e terão de - cair rapidamente, abrindo espaço para a retomada dos investimentos privados, da renda e do emprego. Calcula-se que com o corte dos juros reais à metade, para a casa dos 6%, já propiciaria uma economia em torno de R$ 50 bilhões nos gastos, e parte dessa economia poderia ser transformada em investimentos e parte engrossar programas sociais. Outros cálculos mostram que uma pequena elevação do superávit primário, para 5%, já permitiria que em 2008 o déficit nominal fosse zerado, claro que com juros decrescentes. O clima no Congresso é hoje avesso a qualquer iniciativa do Executivo. Os partidos de oposição tendem a concordar com as idéias em gestação no governo e valeria a pena um esforço prévio de convencimento para sentir o pulso dos congressistas e tentar depois, se possível, o encaminhamento da PEC.