Título: A MP nº 232, o contribuinte e a tributação
Autor: Marcelo de Aguiar Coimbra
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"O exercício do poder de tributar, como regra, é unilateral, imperativo e até certo ponto autoritário"

O debate em torno da Medida Provisória (MP) nº 232 e o desfecho final com a alteração do posicionamento do Poder Executivo trouxe à tona uma questão até então colocada em segundo plano: os contribuintes brasileiros portam-se, de forma geral, passivamente, aceitando o ato unilateral de imposição tributária pelos seus representantes no parlamento. A participação ativa do cidadão na comunidade política constitui a força motriz da democracia contemporânea, enquanto democracia participativa, na qual os membros da coletividade ditam as leis que irão governar a sua vida em sociedade, construindo assim o seu próprio futuro. As bases da democracia participativa descansam no direito ao "self-government" (autogoverno), revelando-se, por essa razão, a forma de governo mais respeitadora da autonomia (do grego "autos", auto, e "nomos", lei) e da liberdade individual, propiciando ao ser humano, em sintonia com o princípio da dignidade humana, o desenvolvimento pleno de sua personalidade como senhor do seu próprio destino (princípio da autodeterminação da pessoa). Daí se segue o direito do contribuinte, afetado diretamente pela tributação, de participar do exercício do poder de tributar para conferir legitimidade à retirada coativa pelo poder público de parte da sua propriedade e à invasão da sua esfera de liberdade (princípio do consentimento). A participação tributária do cidadão ainda oferece a vantagem de tornar as leis tributárias mais aceitáveis, elevando o grau de comprometimento da sociedade com a ordem jurídico-tributária e contribuindo, desta maneira, para a superação do fenômeno da fraude fiscal e da resistência ao tributo. Sucede que, especialmente no Brasil, o nível de participação dos contribuintes nas questões tributárias é extremamente reduzido, sendo de fácil constatação um elevado déficit participativo. O exercício do poder de tributar, como regra, é unilateral, imperativo, distante em relação ao cidadão-contribuinte e até certo ponto autoritário. O contribuinte ocupa apenas o papel de sujeito passivo da obrigação tributária e não o de personagem ativo do sistema fiscal.

Especialmente no Brasil, o nível de participação dos contribuintes nas questões tributárias é extremamente reduzido

Nas cidades-Estados da Grécia, consideradas como o autêntico berço da democracia e da política enquanto ciência do governo da pólis, mormente em Atenas, onde a democracia direta perdurou por volta de dois séculos (IV e V antes de Cristo), o cidadão só era respeitado como completo homem livre, como um indivíduo socialmente antecipado, e não um ídion (o cidadão isolado que não se envolvia nos assuntos da cidade e portanto levava uma vida idiota, na acepção da palavra) quando participava ativamente do governo da comunidade. Até o fim do século XVIII não se imaginava outra espécie de democracia que não fosse a direta. Ora, o direito de participar nas decisões coletivas não se esgota na participação periódica em pleitos eleitorais. É preciso repudiar e combater com firmeza o governo de poucos também em matéria de tributos, diametralmente refratário ao governo do povo, por um processo de democratização da democracia, aprofundando o seu conteúdo democrático por meio da intensificação da participação real dos cidadãos nos processos de decisão das questões tributárias. Só assim as decisões estatais expressarão a vontade popular e refletirão as aspirações mais legítimas, os reais interesses da coletividade. No entanto, é preciso também não perder de vista que a participação democrática na seara tributária repulsa a perspectiva egoísta, segundo a qual os contribuintes tomam parte dos negócios públicos unicamente com a motivação de reduzir as suas próprias tributações, tal como atuam os grupos de pressão. Na linha de uma verdadeira participação tributária responsável, revela-se indispensável que os contribuintes incorporem o espírito público, um profundo senso de justiça fiscal. Os cidadãos devem lutar acima de tudo por um sistema tributário justo. Esperamos que o movimento em torno da Medida Provisória nº 232 tenha representado um primeiro passo em direção a esse ideal de instalação da democracia participativa em assuntos tributários. Afinal, só a participação direta e responsável do povo na tributação transforma a democracia de súditos em uma democracia dos cidadãos.