Título: Zerar déficit nominal exige manter, até 2015, CPMF e desvinculação
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2005, Especial, p. A14

Conjuntura Proposta é do economista Fábio Giambiagi, do Ipea, que elabora estudo para o governo

Aumentar a meta de superávit primário para 5% do Produto Interno Bruto (PIB) ainda este ano; prorrogar, em votação também neste ano e por mais dois novos mandatos, a vigência da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e da CPMF (ambas representam receita orçamentária equivalente a 1,5% do PIB) e que, pela lei, só existiriam até dezembro de 2007; e repetir, em 2007, a mesma meta de inflação de 2006, de 4,5% ao ano (o que vai ser decidido hoje pelo Conselho Monetário Nacional). Com essas medidas, associadas à redução da taxa de juros real e a um crescimento de 4% ao ano, é possível zerar o déficit nominal das contas consolidadas do setor público em 2008. Essas propostas são do economista do Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fábio Giambiagi, especialista em política fiscal. Embora ele desconverse, ministros do governo lhe encomendaram um estudo sobre a proposta de zerar as contas nominais consolidadas do setor público. "Simpatizo com a idéia do déficit zero porque, se adotada, a relação dívida líquida /PIB cairá muito rapidamente, num efeito combinado com crescimento de 4% do produto e inflação de 5% ao ano", comentou Giambiagi. Se o equilíbrio nominal for visto como meta crível, novos espaços serão abertos para o Banco Central reduzir a taxa básica de juros. Com juros reais mais baixos, o incentivo ao ingresso de recursos externos em busca de alta taxa de rentabilidade se reduz, diminuindo, assim, o fluxo de irrigação de dólares que está levando à valorização do real frente à moeda americana. Ou seja, por um novo programa fiscal é que o governo conteria a valorização da taxa de câmbio. Giambiagi sugere a antecipação, para este ano, de parte da agenda legislativa de 2007, relativa à prorrogação da DRU e da CPMF por mais dois mandatos (até 2015), mas a partir de um cronograma de redução gradual da alíquota da CPMF, hoje de 0,38%. Esse seria o primeiro passo para diminuir a carga tributária. A prorrogação de ambas interessaria a qualquer partido político com possibilidade de eleger o novo presidente da República em 2006, acredita, e essa convergência de interesses facilitaria substancialmente a tramitação das duas medidas no Congresso. O economista do Ipea acha que a prorrogação até 2015 é suficiente, porque até lá a questão fiscal estará resolvida e a antecipação dessa prorrogação trará maior conforto ao próximo governo. O aumento da meta de superávit fiscal de 4,25% para 5% do PIB, segundo ele que já defendeu no Boletim do Ipea deste mês, não significaria um esforço maior de ajuste do que o que está sendo feito hoje, já que o superávit primário acumulado em 12 meses está ligeiramente superior a 5%. Giambiagi tem receio quanto à viabilidade política do caminho escolhido pelo governo, que discute, como forma de chegar ao nominal zero, a elaboração de uma proposta de emenda constitucional (PEC) para congelar os gastos com custeio e aumentar a desvinculação de receitas, por meio do aumento gradativo da DRU. Hoje, a DRU desvincula 20% das receitas totais, e esse percentual cresceria para até 40% ano a ano. Por essa razão, ele preferiu trabalhar com uma proposta alternativa, de mera prorrogação da DRU e da CPMF, sendo esta com alíquotas decrescentes. Diante da perspectiva de haver condições políticas para discutir tecnicamente a proposta concebida pelo governo - de adotar a meta de equilíbrio nominal - a partir de sugestão do deputado Antonio Delfim Netto (PP-SP), Giambiagi tem uma proposta para reduzir as receitas vinculadas do Orçamento da União. Trata-se de trocar o sistema da DRU por um outro mecanismo, que garanta que não haverá cortes nas atuais receitas destinadas às áreas de educação e saúde. Essas seriam garantidas por uma medida que preservaria o valor real per capita de hoje, mas não seguiriam sendo reajustadas pelo aumento do PIB. Acima disso, tudo seria desvinculado e, com crescimento contínuo do produto, a relação desses gastos frente às receitas totais seria cadente, abrindo espaço para uma futura redução da carga tributária. Para operacionalizar a proposta de déficit nominal zero até 2008, por exemplo, sem perder de vista o que é realmente importante - que é a trajetória decrescente da dívida líquida do setor público como proporção do PIB, - Giambiagi sugere, tomando emprestada a linguagem do Fundo Monetário Internacional (FMI), que o "critério de performance" seja a meta de superávit primário de 5% do PIB, e que o objetivo de zerar o nominal em quatro anos seja visto como "meta indicativa". Tudo dando certo, a dívida em relação ao PIB cairia dos 51%, de hoje, para a casa dos 45% em quatro anos. Toda a lógica do déficit nominal zero - que significa produzir superávits nas contas públicas suficientes para pagar as despesas correntes e os encargos financeiros da dívida pública - é para resolver o endividamento doméstico de uma vez, tal como se fez com as contas externas do país de 1999 para cá, assinala o economista do Ipea. Hoje, a relação dívida externa/ exportações é a menor dos últimos 50 anos e ninguém cogita risco de "default". Reduzir a relação dívida interna/ PIB para a faixa de 45%, como Giambiagi imagina ser possível até 2008, produziria um substancial corte na taxa de risco-país e abriria um considerável espaço para a queda dos juros domésticos. A questão que se coloca, e que não é trivial, é como adequar um regime de déficit nominal zero à política monetária do BC, cuja função é reagir, através da taxa de juros, às pressões inflacionárias. Num eventual choque de oferta no meio do caminho, o BC teria que elevar a taxa Selic e isso comprometeria a trajetória das contas nominais. Giambiagi entende que a prioridade é estabelecer o superávit primário. Os juros serão os necessários para controlar a inflação. E o objetivo do déficit zero seria acomodado no tempo, conforme as necessidades do regime de metas para a inflação. Ou seja, se, por ventura no meio do caminho, se notar que não é possível chegar ao equilíbrio nominal em 2008, que se adie esse objetivo para 2009.