Título: Distribuidores vão à Justiça contra Nestlé
Autor: Paulo Henrique de Sousa
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2005, Empresas &, p. B9

Concorrência Representantes regionais acusam companhia suíça e Garoto por abuso do poder econômico

Depois de perderem a batalha no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), agora é a vez de Nestlé e Garoto enfrentarem disputas judiciais com algumas de suas ex-distribuidoras. Na capital paulista, a Barista Vending Systems Alimentos está processando a Nestlé por supostos prejuízos de uma quebra de contrato unilateral. Já em Maringá (PR), a Norte Real Distribuidora de Produtos Alimentícios acusa a Garoto de fazer "concorrência desleal" para que os distribuidores desistam do negócio e sejam substituídos pela estrutura de distribuição da Nestlé. Nenhum dos dois processos foi julgado em primeira instância. A Barista é uma rede de vendas de bebidas e salgadinhos em máquinas de auto-atendimento, com atuação na região de Curitiba. Já a Norte Real era representante da Garoto no Norte do Paraná. Na ação que move em Maringá, a Norte Real pede uma indenização de R$ 1,5 milhão, alegando rescisão indireta - as condições impostas pela Garoto a teriam levado a rescindir o contrato. O dono da empresa, Rodrigo Rodrigues Sanches, informou que ela está inativa desde o fim da parceria com a Garoto. Sanches comentou que esse é apenas um dos processos contra a Garoto. Segundo ele, uma outra ex-distribuidora de Cascavel está exigindo indenização de R$ 3,5 milhões. Há ações também em Curitiba e Campo Mourão. Em São José dos Campos, o advogado Oldemar Guimarães Delgado disse que vai representar uma "grande distribuidora do Vale do Paraíba" em uma ação contra a Nestlé. Segundo ele, a multinacional teria reduzido muito as comissões do distribuidor e exigido exclusividade para os produtos da marca, o que teria causado prejuízos. A Nestlé se pronunciou por meio de uma nota: "A empresa Barista Vending Systems foi operadora das chamadas Vending Machines da Nestlé desde setembro de 2000. Em 2002, a Barista adquiriu uma empresa que atuava no ramo de vending machines com produtos idênticos aos produtos Nestlé, a Capuccino Vending Systems. Com esta aquisição, passou a estar em desacordo com o manual que regia a operação, haja vista que a Barista, como parceira comercial da Nestlé até então, possuía amplo e irrestrito acesso a informações sigilosas e estratégicas da Nestlé para este negócio. Portanto não havia, por razões óbvias, como dar continuidade à relação comercial mantida entre as partes." Quanto ao caso do Paraná, a companhia relata na nota que: "No caso da distribuidora Norte Real, uma auditoria realizada pela Chocolates Garoto, no início de 2002, constatou irregularidades nas operações em descumprimento do acordo firmado entre as partes. Após a rescisão com a Norte Real, a região norte do Paraná foi provisoriamente atendida por outros representantes comerciais da própria Chocolates Garoto e não da Nestlé, como afirmado pela distribuidora, sendo ainda que em 1º de novembro de 2002 a Chocolates Garoto contratou um novo representante comercial para aquela região, nos mesmos moldes contratuais que mantinha com a Norte Real, que perdura até hoje." No Foro de Maringá, a Garoto e a Norte Real travam uma verdadeira guerra jurídica, com processos dos dois lados. Em maio de 2002, quando a parceria já havia degringolado, a Norte Real entrou com uma medida cautelar, na qual acusou a Garoto de "sórdida coação" ao tentar "obrigar" Rodrigo Sanches a assinar uma "carta de rescisão por justa causa". A Norte Real relata que as empresas começaram a discutir a formação da parceria em 1999. Segundo a distribuidora, a fábrica de chocolates propôs o negócio para "reduzir o preço final de venda de produtos Garoto ao consumidor, no pequeno varejo, através de um sistema ágil, enxuto e moderno, com parceria formal para terceirização das funções de armazenagem, venda e distribuição". Os preços finais dos produtos da Garoto poderiam ser 20% menores do que os vendidos pelos concorrentes, mas a Norte Real precisaria fazer um "alto investimento". Na defesa apresentada à Justiça de Maringá, a Garoto nega que tenha prometido qualquer índice de desconto. Em 31 de janeiro de 2000, as duas empresas firmaram contrato de representação comercial. Mas os desentendimentos não tardaram. Segundo relato da Norte Real, em março, a empresa "passou a vender acima da média fixada pela Garoto". Em abril, a Garoto teria exigido a contratação de mais funcionários, "sob a ameaça velada de rescisão do contrato". Sanches estima em R$ 500 mil os investimentos no negócio desde 2000. Segundo a Norte Real, em novembro daquele ano, "geraram problemas na Garoto os boatos de venda da empresa, devido a divergência de opiniões entre o presidente da empresa, Sr. Paulo, e o presidente do conselho, Sr. Helmut". No mês seguinte, teria havido aumento de preços, excesso de mercadoria vencida nos estoques e a falta de outras, o que teria prejudicado o relacionamento da Norte Real com os seus clientes. No início de 2001, a Garoto teria quase dobrado a sua meta de vendas para o ano, na região atendida pela distribuidora paranaense: dos R$ 5,54 milhões faturados em 2000, a Norte Real teria que chegar a R$ 10,3 milhões - com um lucro de R$ 520 mil. Mas o lucro estimado virou um prejuízo de R$ 523, 8 mil. A Norte Real reclama que a Garoto passou a negociar diretamente com atacadistas e redes de supermercados, com preços inferiores aos que lhe eram cobrados. Na ação, a Norte Real atesta: "A Ré [Garoto] desencadeou uma concorrência desleal com seus próprios distribuidores. Além da concorrência desleal, é fato público e notório que a Ré [Garoto] está sendo adquirida pela Nestlé, razão pela qual seria muito mais simples dificultar ao máximo o trabalho dos distribuidores, a fim de que estes desistissem de seus direitos contratuais para compensarem com suas 'dívidas', deixando o caminho livre para que a Nestlé utilize sua própria estrutura de distribuição." A Norte Real reclama de decisões unilaterais por parte da Garoto que a teriam prejudicado. Em fevereiro e em abril de 2002, teria havido dois aumentos de preços. Segundo a Garoto, isso não caracterizaria descumprimento do contrato, já que a empresa só estava obrigada a informar, por escrito, das alterações nos preços. "Nunca existiu a garantia de preço mínimo ou relação com outros preços de mercado", escreveram os advogados da Garoto, do escritório Pereira & Mattos Advocacia. A Garoto quer a rescisão por justa causa alegando que a Norte Real usou dinheiro do pagamento de clientes para pagar despesas dela própria (apropriação indevida), quando o contrato determina que o dinheiro deveria ser depositado na conta bancária da Garoto em até 24 horas. A Garoto reclama que a Norte Real lhe devia R$ 77,7 mil, em maio de 2002, e acusa a distribuidora de supostas "vendas fraudadas", por preencher notas fiscais sem vender as mercadorias faturadas. Já a Norte Real reconhece que o não repasse das vendas de fevereiro a maio de 2002 gerou uma dívida de R$ 52,6 mil, que estaria sendo negociada com a Garoto. "Ocorre que, devido às alterações ocorridas dentro da empresa requerida [Garoto], em razão da sua compra pela Nestlé, ficou evidente que a nova direção não tinha o menor interesse em prosseguir com o pequeno varejo, muito menos em restabelecer as relações de parceria antes existentes." A distribuidora reclama também que a Garoto reteve o repasse de comissões referentes às vendas de março e abril de 2002, no valor de R$ 103 mil. A advogada da Norte Real Luciany Michelli Pereira dos Santos disse ao Valor que as empresas estão tentando provar quem descumpriu primeiro o contrato. Para ela, a Norte Real não tinha interesse em encerrar o negócio porque estava vendendo muito bem - em 2000, o faturamento teria sido de R$ 1 milhão.