Título: Inflação dos pobres é recorde
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2010, Economia, p. 12

CUSTO DE VIDA

Índice de preços calculado entre as famílias com renda de até 2,5 salários mínimos cravou alta de 1,4% em março, patamar sem precedente

Março registrou inflação recorde para a população de baixa renda. O Índice de Preços ao Consumidor Classe 1 (IPC-C1), que mede o custo de vida entre as famílias com renda mensal de até R$ 1.275, atingiu 1,4%, patamar sem precedente desde 2004, início da série histórica da Fundação Getulio Vargas (FGV). A culpa de taxa tão elevada foi dos alimentos, que, em média, consomem 80% do orçamento dessa parcela da população e, nas últimas semanas, vêm em trajetória de encarecimento. O vilão da vez foi o feijão carioquinha, cujos preços aumentaram 8,46%.

Em 12 meses, o IPC -C1 acumulou elevação de 6%, quase o teto da meta de inflação para 2010, definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 6,5%. Já o índice para todos os brasileiros, apesar de também seguir tendência de alta, ficou 0,83 ponto percentual abaixo da taxa registrada para os pobres. Nunca houve resultado nesse patamar para a baixa renda. A alta de preços ocorreu, em boa parte, nos alimentos in natura. Devido ao excesso de chuvas, está havendo escassez desses produtos, disse o economista André Braz, pesquisador da FGV.

Somente nos primeiros três meses do ano, a inflação dos alimentos atingiu 6,05% para as famílias de baixa renda e, segundo especialistas, além do excesso de chuvas, os reajustes podem estar sendo causados por excesso de demanda. Constatamos aumentos nos preços do feijão, do leite e das carnes, principalmente as de segunda, que são as mais consumidas. Todos esses produtos estão sendo muito mais procurados pelo consumidor, resultando em uma demanda maior que a oferta, afirmou Braz.

Ganho no campo

O economista Eduardo Otero, da corretora Um Investimento, seguiu na mesma linha de raciocínio. A piora da inflação tem sido contínua. Por conta desses resultados recentes, podemos dizer que há sim pressão pelo lado da demanda. Principalmente da parte de serviços e de alimentação, assinalou. Na cesta de produtos da baixa renda, além do feijão carioquinha, o tomate, com alta de 47,85%, apareceu mais uma vez entre os que mais contribuíram para a taxa recorde. Já o leite tipo longa-vida, importante item na mesa do brasileiro, ficou 8,16% mais caro. O quilo da cebola subiu 12,48% (veja quadro).

A alta de todos esses alimentos se reflete no campo, mas de forma positiva. Segundo o Ministério da Agricultura, o preço pago aos produtores pela maioria dos produtos amplia a renda dos plantadores. Estima-se que a safra brasileira deste ano fechará 2010 movimentando R$ 160,56 bilhões valor 2,3% maior que o registrado no ano passado e o segundo maior já obtido pela agricultura brasileira. As produções de café e de cebola foram as com maior expectativa de valorização neste ano.

Nunca houve resultado nesse patamar. Devido ao excesso de chuvas, está havendo escassez de produtos

André Braz, pesquisador da FGV

Juros podem chegar a 13%

A firme escalada da inflação neste início de ano levou o Itaú Unibanco, maior banco privado do país, a rever suas projeções para a alta da taxa básica de juros (Selic). Pelas contas do economista-chefe da instituição, Ilan Goldfajn, o Banco Central terá de elevar a Selic dos atuais 8,75% para 13% ao ano. Até então, a expectativa era de que os juros fossem até 11,75%. Segundo ele, o aperto monetário no fim deste mês será de 0,75 ponto percentual. Essa projeção ganhou o reforço do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, para quem o BC baterá duro na inflação. A afirmação foi uma resposta direta à nova elevação do mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência do sistema de metas, de 5,18% para 5,29%. O recado de Bernardo foi claro: o governo não se intimidará em tomar medidas duras de forma a conter o atual surto inflacionário.

Na avaliação do Eduardo Otero, a corretora Um Investimento, ainda não dá para cravar um arrocho mais forte da Selic. Tanto que os analistas estão divididos entre 0,5 e 0,75 de alta em abril. A dúvida do mercado ainda são o tamanho do arrocho e a duração do aumento, ressaltou. Para Paulo Bernardo, há uma orientação clara do presidente Lula de segurar a inflação. Se precisar tomar medidas, os diretores do BC vão tomar. Não queremos a inflação de jeito nenhum, disse o ministro. (VM)