Título: Projeto do governo adota negociação pré-salvaguarda
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2005, Brasil, p. A3
O governo federal regulamenta hoje as salvaguardas contra a China. O Brasil deve adotar um modelo similar ao da União Européia. Antes de iniciar as investigações, os dois países terão um prazo de cerca de 30 dias para buscar um acordo de limitação voluntária das exportações chinesas. Para agilizar o processo, o Brasil sugeriu a criação de uma comissão bilateral de monitoramento do comércio. A China está avaliando a proposta. Caso os governos não cheguem a um acordo, a investigação será efetivamente aberta e deve ser concluída em quatro meses. Segundo Mário Mugnaini, secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), o governo regulamentará as duas salvaguardas - que podem ser sobretaxas ou cotas de importação - aceitas pela China ao ingressar na Organização Mundial de Comércio (OMC). Uma das salvaguardas é específica para têxteis e pode ser adotada até 2008. Nesse caso, a China se comprometeu na OMC a restringir o crescimento das exportações de determinado item a 7,5% ante o volume dos últimos 12 meses. A outra salvaguarda vale para qualquer produto e pode ser utilizada até 2013. Para conseguir a proteção, o setor deverá comprovar que há ruptura ou ameaça de ruptura de mercado por meio de dados sobre crescimento das importações, queda de preços internos e perda de participação da indústria nacional no consumo aparente. Atendendo a um pleito dos empresários, a regulamentação brasileira deve prever a possibilidade de direito provisório. Isso significa que o Brasil poderá aplicar uma sobretaxa ou cota no início da investigação. O objetivo é evitar que a indústria seja prejudicada no decorrer do processo. Finalizada a investigação, a tarifa ou cota provisória será ajustada. Com essas medidas, o governo brasileiro tenta conciliar os interesses da China, que é considerada um parceiro estratégico, e do empresariado nacional. Segundo Mugnaini, essas regras foram decididas após intenso debate entre os técnicos do Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex). O governo também recebeu sugestões do setor privado. A proposta será submetida hoje aos sete ministros que compõem a Camex. Se aprovada, a regulamentação deve ser publicada no Diário Oficial da União na quinta-feira por meio de dois decretos presidenciais ou via resolução da Camex. O Brasil optou por uma fase preliminar de consulta para tranqüilizar o governo chinês, que temia que o país adotasse uma postura similar a americana, que é considerada intransigente. Os Estados Unidos aplicaram salvaguardas contra alguns produtos têxteis chineses sem consulta prévia. Por outro lado, a China elogiou a UE, que optou por um acordo negociado. Os europeus limitarão o crescimento das importações de têxteis chineses a 10% anuais por três anos, ao invés de impor cotas. A decisão brasileira também visa acalmar os empresários que exportam para a China, principalmente soja e minério de ferro. Eles temem ser alvo de retaliação da China se o Brasil adotar salvaguardas. "Abriremos uma possibilidade de diálogo com os chineses. Nós imaginamos que é melhor se o Brasil não chegar a aplicar as salvaguardas", diz Mugnaini. Ele ressalta que um acordo negociado com a China pode agilizar o processo e favorecer também o setor privado brasileiro. Para reforçar a boa-vontade do país, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, enviou uma carta ao ministro do Comércio da China, Bo Xilai, essa semana. Na carta, Furlan garante que o Brasil tomará as medidas necessárias para manter o bom relacionamento com a China. Segundo Mugnaini, é provável que Furlan visite Pequim no segundo semestre, depois que os primeiros pedidos de salvaguarda forem apresentados. O governo brasileiro tem demonstrado sensibilidade às reclamações do setor têxtil. Máquinas e equipamentos, eletroeletrônicos, ótica e calçados também reclamam da concorrência da China. Além da adoção do direito provisório, o governo aceitou outra sugestão do setor privado. A regulamentação deve prever "dano provocado por terceiros países". Os empresários poderão solicitar proteção caso haja evidência que cotas ou sobretaxas adotadas por outros países estejam aumentando a oferta de produtos chineses no Brasil. Exemplo: uma salvaguarda aplicada pela Argentina pode canalizar os esforços dos exportadores chineses para o mercado brasileiro. Segundo Mugnaini, o reconhecimento da China como economia de mercado não será analisado hoje pela Camex. Mas é possível que ocorra em breve, pois os chineses já teriam cumprido uma parte das contrapartidas necessárias. A promessa da concessão do novo status à China, feita pelo presidente Lula, gerou dura reação do empresariado brasileiro, principalmente da Fiesp, que passou a pressionar pela adoção de salvaguardas.