Título: Acordo com um olho nos caças
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2010, Mundo, p. 18

Brasil-EUA

O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o secretário norte-americano da pasta, Robert Gates, assinam reatamento da cooperação militar. Texto facilita transferência de tecnologia e pode ajudar a Boeing na concorrência da FAB

O acordo que o ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, e o secretário de Defesa norte-americano, Robert Gates, assinaram ontem em Washington, à margem do Encontro de Segurança Nuclear, prepara o terreno para o cumprimento dos itens mais sensíveis da oferta feita pela Boeing na concorrência F-X2, da Força Aérea Brasileira (FAB). O texto marca a retomada de uma cooperação interrompida nos anos 1970, quando o Brasil suspendeu uma cooperação em vigor havia 25 anos. As negociações se desenrolavam desde o início do governo Lula, mas foram concluídas de maneira providencial antes do anúncio da decisão sobre a compra dos caças para a FAB. Jobim, no entanto, fez questão de já incluir os interesses brasileiros na ocasião. Segundo ele, o acordo abre caminho para a possível venda de 200 aviões SuperTucano, da Embraer, para a Marinha americana.

Segundo o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, a assinatura do texto é um passo elementar e fundamental em uma negociação de venda de caças, mas esse não é o seu propósito principal. O acordo de cooperação tem um impacto muito maior do que só o intercâmbio militar ou a venda de um sistema de armas, afirmou, em entrevista coletiva. Com o documento, fica permitida a negociação, por exemplo, da transferência de tecnologias sensíveis do avião um ponto sobre o qual Jobim nunca escondeu ter dúvidas, em relação à proposta americana. Entretanto, ao ser questionado se Washington espera que o documento dê mais chances à Boeing, Shannon desconversou: Facilita no sentido de que é necessário, mas a decisão do Brasil é soberana e, obviamente, não depende do acordo de cooperação.

Jobim tentou desvincular a possível compra dos SuperTucanos da escolha a ser anunciada em breve pelo presidente ambos já manifestaram preferência pelo caça francês Rafale. Evidentemente, existe pressão para que o governo brasileiro compre também aviões americanos, mas estamos avançando um entendimento para separar os dois temas, a fim de que a negociação seja feita com calma, afirmou. Quem disputa com o avião da Embraer a preferência da Marinha dos Estados Unidos são dois modelos americanos, um deles fabricado pela Boeing.

Shannon assegurou que o acordo guarda-chuva não inclui a construção e nem a utilização de bases por militares americanos em solo brasileiro. O propósito é promover a cooperação, e não abrir um espaço para bases militares. Nós não temos interesse nisso, e, obviamente, o Brasil muito menos, afirmou. O embaixador ainda assegurou que os EUA não estão acertando a construção conjunta de uma base multifuncional no Rio de Janeiro. A ideia é compartilhar conosco o interesse de diferentes áreas do governo brasileiro, em especial a Polícia Federal, afirmou, destacando que o Brasil deseja construir um centro de inteligência que integre informações sobre tráfico de pessoas e armas, nos moldes do que os americanos mantêm em Key West, na Flórida.

Mais cooperação

Lula se encontrou, ontem, separadamente, com os premiês da Itália, Silvio Berlusconi, do Japão, Yukio Hatoyama, e da Turquia, Recep Erdogan. Na residência do embaixador brasileiro, Lula e Berlusconi assinaram um acordo de cooperação em temas econômicos, ambientais e militares. O plano estabelece um diálogo de alto nível em assuntos como o combate à pobreza, a mudança climática, o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Lula e Berlusconi também falaram sobre o caso do italiano Cesare Battisti, atualmente detido na prisão da Papuda, em Brasília. De acordo com a agência Ansa, Lula teria dito a Berlusconi que iria esperar as motivações do Supremo Tribunal Federal (STF), que deve apresentar a declaração formal da sentença. O premiê, por sua vez, disse apoiar e confiar nas autoridades brasileiras. Com Hatoyama, o encontro foi sobre temas multilaterais, como a política de ambos os países diante do Conselho de Segurança da ONU.

Evidentemente existe pressão para que o governo brasileiro compre também aviões americanos, mas estamos avançando um entendimento para separar os dois temas

Nelson Jobim, ministro da Defesa

O que prevê o texto

Cooperação bilateral em questões relacionadas à Defesa, incluindo a aquisição de produtos e serviços. Terá enfoque nos campos da pesquisa e desenvolvimento, além de suporte logístico e segurança de tecnologia

Facilitar iniciativas comerciais relacionadas à Defesa

Troca de experiências em tecnologia de Defesa

Intercâmbio de informações e experiências sobre operações e o uso de equipamento militar (nacional e estrangeiro) e sobre operações internacionais de manutenção da paz

Compromisso com o treinamento e o ensino militar combinados e em exercícios militares conjuntos, assim como a troca de informações relacionadas a esses temas

Garantias As partes se comprometem a respeitar os princípios e propósitos relevantes da Carta das Nações Unidas e da Carta da Organização dos Estados Americanos, que incluem a igualdade e soberania dos Estados, a integridade e a inviolabilidade territorial e a não intervenção nos assuntos internos de outros Estados

Pressão sobre o Irã na cúpula nuclear

Viviane Vaz

O presidente americano, Barack Obama, e o colega chinês, Hu Jintao, serão as estrelas de hoje em Washington, nas reuniões bilaterais que permeiam a Cúpula de Segurança Nuclear, cujo propósito é deter o tráfico de material atômico no mundo. Os dois mandatários abordarão assuntos delicados, como as consequências comerciais da baixa cotação da moeda chinesa (o yuan) e discutirão possíveis medidas contra o programa nuclear iraniano. A China, assim como o Brasil, tem preferido o caminho da negociação com Teerã ao da ameaça de sanções, defendidas pelos EUA.

A maior reunião internacional organizada por Washington, desde 1945, terminará no fim da tarde de hoje sem ter contado com a presença de países-chaves, uma vez que são acusados de não cumprirem o Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas atômicas. Líderes de 47 países participam da reunião, mas não foram convidados os presidentes do Irã, da Coreia do Norte e da Bielorrússia. O representante de outro país suspeito de ser uma potência nuclear não-oficial(1), o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, recusou-se a participar, embora convidado, e enviou o vice-premiê Dan Meridor. Israel é um dos poucos países que ainda não assinaram o TNP.

Os resultados da conferência de Washington são conhecidos de antemão, e nenhuma das conclusões pode ser vinculante para os países que não participam nela, afirmou Ali Asghar Soltanieh, representante do Irã na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, qualificou a cúpula de Washington como humilhante para a Humanidade, e enviou uma carta ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, pedindo uma investigação confiável e independente sobre a atuação da Otan e dos EUA no Afeganistão e no Iraque.

Na carta, publicada na íntegra pela agência oficial Irna, Ahmadinejad pede que se averiguem as causas do (atentado de) 11 de setembro, utilizado como principal justificativa para atacar a região; as principais motivações e intenções da presença militar da Otan no Afeganistão e no Iraque; os métodos de trabalho usados e os resultados de nove anos de presença nos dois países. O embaixador do Irã na ONU, Muhammad Jazaee, também criticou a nova política nuclear dos EUA, chamando-a de terrorismo de Estado, por não descartar o uso de armas atômicas contra seu país.

Em Washington, no Centro de Estudos Islâmicos da Universidade George Mason, o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, foi questionado sobre o programa nuclear iraniano e respondeu que não quer que nenhum país da região ou do mundo tenha armas nucleares. A Turquia ocupa atualmente um dos assentos não permanentes do Conselho de Segurança da ONU e indicou recentemente que não apoiaria as sanções contra o Irã, seguindo a posição do Brasil e do Líbano, que também ocupam cadeiras rotativas no conselho.

1 - Clube paralelo As potências nucleares oficialmente reconhecidas são Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China, justamente os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Além deles, Índia, Paquistão e Coreia do Norte já testaram bombas atômicas, e o Irã está sob suspeita de manter um programa nuclear secreto, paralelo ao oficial, com fins militares.