Título: Alta do petróleo trará inovação
Autor: Martin Wolf
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2005, Opinião, p. A11

Governos deveriam fazer algo para estimular o uso responsável desse recurso valioso

Vivemos na era de Prometeu, o titã mitológico que entregou o fogo à humanidade e foi punido por Zeus, rei dos deuses. Desde o início da revolução industrial, os seres humanos foram se tornando cada vez mais engenhosos na elaboração de formas de transformar energia fossilizada em coisas que desejamos. Mesmo assim, na base da nossa pirâmide econômica prevalece a liberação de energia capturada por plantas há centenas de milhões de anos. Com os preços do petróleo subindo a US$ 60 o barril, é natural perguntar se os dias de petróleo afortunadamente barato terminaram. Também é importante, contudo, avaliar os preços recentes dentro de um contexto. O FMI observa que, em termos reais, os preços são praticamente a metade dos praticados durante o segundo choque do petróleo que se seguiu à revolução iraniana, em 1979. O FMI assinala, além disso, que, independente das enormes - e desestabilizadoras - oscilações, não houve nenhuma tendência nos preços do petróleo nas três décadas passadas. Então, o que levou os preços a quase dobrarem suas médias de longo prazo em termos reais? O motivo mais aproximado é uma enorme expansão na demanda proveniente da Ásia e, particularmente, da China. Entre 2002 e 2004, a China foi responsável por 35% da demanda incremental por petróleo, contra apenas 20% para os EUA. Em 2004, a demanda por petróleo cresceu em 2,46 milhões de barris/dia - um aumento de 3,4%, de acordo com o recentemente publicado relatório anual da BP. O número representa a mais rápida taxa de crescimento e também o maior crescimento absoluto desde 1978. A Agência Internacional de Energia, em Paris, projeta o aumento na demanda por petróleo entre 2004 e 2005 em 1,77 milhões de barris/dia. Mesmo estando abaixo do aumento recorde do ano passado, isso ainda subentende um crescimento de 2,2%, uma taxa alcançada apenas quatro vezes durante as duas décadas passadas. Não surpreende, portanto, que, com uma capacidade também excepcionalmente apertada, os preços tenham disparado. A grande questão é se isso seria apenas um pequeno sinal temporário ou o começo de um longo período de preços elevados. Ao responder a essa questão, o ponto de partida deve estar na demanda futura. A esse respeito, é preciso mencionar dois pontos compensadores. O primeiro é que a intensidade do consumo de petróleo por unidade de PIB (medido em termos de paridade de poder de compra, PPP) está declinando. O segundo é que isso não compensou o impacto de um PIB em ascensão. A demanda (e a oferta) total aumentou a partir do ponto baixo atingido em 1983 a uma taxa de longo prazo de 1,5% ao ano. Agora voltemos ao futuro. O FMI começa pressupondo que a economia global se expandirá a 3,6% ao ano (em PPP) entre 2003 e 2030. Ele também pressupõe que os preços do petróleo oscilarão de acordo com os preços futuros do fim de fevereiro até 2010 e depois se manterão constantes em termos reais. Isso se traduz em um preço de longo prazo de US$ 34 o barril em 2010 e adiante (2030).

Entre 2002 e 2004, a China foi responsável por 35% da demanda incremental do combustível, contra apenas 20% dos Estados Unidos

Com base nessas pressuposições, a demanda total para o petróleo tem projeção de crescimento, de uma média de 82,4 milhões de barris/dia em 2014, para 138,5 milhões em 2030 - um crescimento de 68%. Países com altas rendas têm projeção de gerar apenas 25% desse crescimento. De onde virá essa oferta excedente? O FMI baseia as suas projeções em análises da AIE e do Departamento de Energia dos EUA. A primeira acredita que o fornecimento de petróleo de países não pertencentes à OPEP poderá aumentar de 50 milhões de barris/dia em 2010 para 57 milhões de barris/dia e permanecer praticamente constante daí em diante. A última projeta a produção em 65 milhões de barris/dia em 2025, que o FMI extrapola para 69 milhões de barris/dia até 2030. No mínimo, portanto, os produtores da OPEP precisarão elevar o seu fornecimento de 32 milhões de barris/dia para 69 milhões de barris/dia, aumentando quase 120%. Se a AIE estiver certa, a produção da OPEP precisará aumentar em mais de 150%. Será que a OPEP fará isso? O relatório do FMI relata uma análise de Dermot Gately, da Universidade Nova York, que conclui que, se a OPEP fosse um monopólio eficaz, não consideraria de seu interesse fornecer petróleo nessa escala. Sua participação de mercado ideal é de cerca de 41% a 46%, ao passo que as projeções sugerem participações entre 50% e 59% em 2030, numa alta em relação aos 39% atuais. A conclusão é que os preços precisarão ser mais altos, ficando em algo entre US$ 39 e US$ 56 o barril, para estrangular a demanda e elevar a produção de países fora da OPEP. A era do petróleo barato terá terminado. Poderá a OPEP fazer isso? Os que acreditam no "pico de Hubbert" - nome dado em memória de M. King Hubbert, que previu (corretamente) que a produção de petróleo atingiria o seu pico no começo da década de 1970 - argumentam que estamos muito próximos de um pico global. Se assim for, estaríamos penetrando em uma era de energia realmente muito cara, já que o preço precisaria ser elevado o bastante para sufocar toda a demanda adicional. Não faço idéia se esses cenários fazem sentido. Mas até a AIE argumenta que as reservas de petróleo remanescentes poderiam cobrir apenas 70 anos à taxa média de consumo anual entre 2003 e 2030. As profecias são sempre perigosas. Os altos preços do petróleo poderiam, mais uma vez, gerar preços baixos por alguns anos, enquanto se operam os ajustes entre oferta e demanda. Foi exatamente o que aconteceu na década de 1980. Três conclusões, porém, parecem plausíveis: primeiro, as pressões da demanda deverão ser fortes, quando aquela que lady Thatcher uma vez chamou de "grande economia do carro" chegar à Ásia; segundo, o mundo se tornará gradualmente dependente da OPEP e, acima de tudo, dos produtores do Golfo, que estão sentados sobre 62% das reservas mundiais comprovadas; e, por fim, os altos preços do petróleo poderão muito bem ser a característica de grande parte das próximas décadas. Os altos preços sustentados poderão, por si mesmos, estimular investimentos em inovação. Mas os governos podem ajudar, apoiando a pesquisa em alternativas. Eles poderiam fazer algo para estimular o uso responsável desse recurso valioso. Os EUA são especialmente pródigos no seu uso de energia e poderiam fazer muito mais para estimular a conservação e o investimento em novas tecnologias. Prometeu não foi apenas o fornecedor do fogo. Seu nome também significa "prudente". Se nossos descendentes quiserem desfrutar a dádiva da energia abundante, esta é uma virtude que nós também precisaremos exibir. No momento, porém, ela parece ser mais notável por sua ausência.