Título: Pressão nuclear
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 11/04/2010, Mundo, p. 24

A partir de hoje, líderes de 45 países e da AIEA terão que decidir se adotam novas medidas de segurança na área atômica. Brasil está disposto a defender postura contra a expansão dos direitos de fiscalização internacional

Depois de afirmar ao mundo que o terrorismo nuclear é a ameaça mais imediata para todos, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tentará convencer líderes de outros 45 países e a própria Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a assumirem compromissos para combatê-lo. Amanhã, ele receberá em Washington chefes de Estado e de Governo de 43 dos 189 países signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), além do Paquistão e da Índia, para discutir meios de evitar que armas atômicas caiam nas mãos de terroristas. O Brasil, que faz parte do seleto grupo convidado por Obama, chegará à capital americana disposto a se mostrar como um bom exemplo de segurança nuclear, mas também preparado para responder a possíveis pressões sobre sua posição em relação ao Irã e a decisão de não assinar o protocolo adicional (1)ao TNP. Apesar de Irã e o tratado de não proliferação não serem temas previstos na agenda do encontro de Washington, o Itamaraty sabe que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possivelmente terá que falar sobre eles em reuniões paralelas com outros líderes. Para reforçar o discurso, representantes do governo já começaram a mandar recados na última semana. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que acompanhará Lula na viagem, fez questão de reforçar que a nova Estratégia Nacional de Defesa determina que o texto adicional ao TNP não será assinado pelo Brasil por tratar os países de maneira distinta. Em relação ao Irã, quem saiu em defesa da posição do Brasil foi o chanceler Celso Amorim, durante uma audiência no Senado. A alternativa das sanções para o Irã irá tornar mais rígidas as posições, vai juntar governo e oposição numa posição de intransigência, observou. Em março, Amorim sustentou a visão contra novos embargos a Teerã ao próprio diretor-geral da AIEA, Yukiya Amano, durante visita ao Rio de Janeiro. O Itamaraty defende que o Brasil, que é signatário do TNP, mantém um programa nuclear exemplar, que segue padrões internacionais de segurança e já dá todas as salvaguardas necessárias de que seu uso é pacífico. Diante disso, o protocolo adicional ao tratado é visto não só como desnecessário, mas como um mecanismo que introduz uma nota de desconfiança aos países que já são bastante honestos com a AIEA. Para a diplomacia brasileira, o protocolo adicional, que permite uma fiscalização mais intrusiva no país por parte dos organismos internacionais, é visto como uma penalização às nações que já estão em conformidade com o TNP. Não há porque penalizar uns mais do que os outros, argumenta uma fonte do Itamaraty. Os outros, nesse caso, são os países nuclearmente armados Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido , que compõem o chamado clube atômico. Os cinco, que não por acaso são os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, são os países que são autorizados pelo TNP a terem bombas atômicas e não são fiscalizados. É bem diferente do Brasil, onde cada grama de urânio com baixo enriquecimento é controlado pelos inspetores da AIEA, observa o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Guilherme Camargo.

Inadmissível

Para Camargo, não há outra posição possível para o Brasil (2)a não ser se negar a aceitar o protocolo já assinado por 128 países e em vigor em 95 deles. O protocolo adicional é uma invasão da soberania nacional inadmissível. O próprio TNP é um tratado injusto, pois divide o mundo em países responsáveis os que já tem a bomba atômica e podem continuar a tê-la , e os irresponsáveis que não têm a bomba atômica, não querem ter, mas têm que ser fiscalizados, opina. O especialista acredita que o Brasil será fortemente pressionado daqui para frente, principalmente com a proximidade da Conferência de Revisão do TNP, marcada para maio, na sede da ONU, em Nova York. Cabe ao país ter noção do seu tamanho, da sua força e da índole pacífica do seu povo para resistir incondicionalmente a essas pressões, afirma. O especialista em energia nuclear Marcos de Azambuja, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), considera importante que o presidente Lula lembre aos colegas que o Brasil tem uma constituição que proíbe o uso não pacífico, além de ser signatário do TNP e de ter acordos com a AIEA e com a Argentina. O Brasil é um país que não representa um risco, mas que acredita que, para assinar um protocolo adicional, é preciso uma contrapartida por parte daqueles que podem ter armas nucleares, destaca. Para o Brasil, não é desconfortável participar dessa reunião, que é muito importante. O governo é favorável aos objetivos de aumentar a segurança, lembra. Para Azambuja, a posição firme do Brasil mostra às potências que é preciso buscar medidas realmente eficazes de manter o mundo seguro. Não basta desarmar os que não têm armas, mas os que têm armas.