Título: Lapso pode ter criado polêmica do leasing
Autor: Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2005, Empresas &, p. B4

Aviação Varig quer incluir aluguel de aviões na recuperação, mas credores têm interpretação diferente

Parece ter sido um mero descuido de redação na nova Lei de Falências que fez constar do texto a expressão "arrendamento mercantil" de aeronaves, criando um foco de confusão entre as empresas de leasing e a Varig, que acaba de pedir a proteção da recuperação judicial com base na nova lei. O problema reside no parágrafo único do artigo 199 da lei. Tal artigo foi incluído no Senado, sob a relatoria do senador Ramez Tebet, e abriu as portas, na reta final, para que as companhias aéreas fossem beneficiadas pela nova lei. O polêmico parágrafo exclui dos quadros da recuperação judicial, e também da falência, os contratos de arrendamento mercantil de aeronaves "e suas partes", ou seja, as empresas que alugaram os aviões. Isso quer dizer que as prestações de arrendamento teriam que continuar sendo pagas, a dívida não poderia ser reestruturada, e os aviões poderiam ser arrestados mesmo com a recuperação em curso. Mas a expressão "arrendamento mercantil" está dando o que falar. O problema é que existem duas modalidades de leasing, o financeiro, que tem uma opção de compra ao final do contrato, e o operacional, que se resume a um aluguel. A rigor, arrendamento mercantil corresponde apenas a leasing financeiro. Mas no Brasil a expressão "arrendamento mercantil" virou sinônimo de leasing. Além disso, as empresas de leasing nacionais praticam a modalidade financeira. Só que existem as particularidades do setor aéreo. Por questões tributárias e contábeis, cerca de 90% dos contratos de aluguel de aeronaves, todos feitos com companhias estrangeiras, são da modalidade operacional. Ou seja, a exclusão do leasing financeiro da falência e da recuperação judicial resulta praticamente inócua. Uma guerra de interpretações foi aberta. Os advogados da Varig fincam pé dizendo que os contratos de leasing operacional da empresa ficarão, sim, sujeitos à recuperação. Esse ponto é vital para que a frota da companhia, que está inadimplente com as companhias de leasing, não seja totalmente arrestada. Advogados das companhias de leasing dizem que não há porque fazer a distinção entre financeiro e operacional e que a proteção (exclusão) deve valer para todos. Interpretações à parte, todos são unânimes em reconhecer que na origem da polêmica houve um lapso de redação. "A redação é ruim. Parece claro que o legislador escreveu arrendamento mercantil como sinônimo de leasing de uma forma geral", afirma um advogado que acompanha de perto a polêmica gerada. O que advogados e especialistas dizem é que não haveria motivo técnico para incluir um tipo e excluir o outro. Portanto, a conclusão é que houve mesmo um descuido. "Houve talvez uma falta de conhecimento específico do arrendamento aeronáutico. Foi um lapso, porque criou um descompasso entre a lei e a prática", diz Gilbert Zeiger, sócio do Tozzini, Freire, que representa empresas de leasing credoras da Varig. De acordo com ele, o espírito original do parágrafo era proteger o arrendador. O executivo de uma empresa de leasing que opera amplamente no Brasil diz que já havia atentado para esse problema antes do caso da Varig. "Isso gera uma insegurança nos contratos feitos para empresas brasileiras", diz. O Valor questionou o senador Tebet sobre o artigo 199, mas ele disse não se lembrar quem foi seu autor. No fim da história, caberá ao juiz Alexander dos Santos Macedo, da 8ª Vara Empresarial do Rio, que está a cargo da recuperação da Varig, definir quem tem razão. Nos Estados Unidos, não deve haver polêmica. Os advogados americanos da Varig asseguram que perante os tribunais de Nova York as empresas de leasing estarão, sim, sujeitas à recuperação. É assim com o Chapter 11 de lá.